O mal-agradecido e apaixonado pela sabedoria popular

mal-agradecido

Sou um fervoroso apaixonado pela sabedoria popular, consubstanciada em provérbios, ditados e expressões, que ao longo da vida se vão ajustando ao nosso quotidiano.

Provérbios, ditados e expressões

O Berdadeiro Orientista

Um excelente exemplo é a corriqueira frase – “depois da tempestade vem a bonança” – que mais se assemelha a uma evidência do Senhor de La Palisse – do tipo “se não é boi é vaca”. Ou seja, se estás infeliz, o mais provável é que voltes a ser feliz. Na verdade, quando se bate no fundo, a partir daí só se pode subir, não vos parece?

Toda esta verborreia surge a propósito do Campeonato Nacional de Sprint de Orientação, que se realizou em Vieira do Minho, no dia seguinte à já tão propalada aventura na neve. Depois de uma jornada inesquecível, mas também intensa, desgastante, quiçá até perigosa, que o “Zé Povinho” apelidaria de “osso duro de roer”, fomos presenteados com um docinho, daqueles super fofos, que se engolem sem mastigar.

É minha convicção e ninguém a conseguirá alterar, de que este sprint urbano, mais não foi que um mimo da organização ao “berdadeiro orientista”, numa simpática tentativa de compensação pelas atribuladas pernadas na Cabreira. – “Snif! Não aguento de tanta emoção”.

Já que sou um mal-agradecido …

Adianto desde já que sou um mal-agradecido, não tendo dado o devido valor ao que me foi oferecido. Então um passeio urbano de 2.400 metros, 15 controlos, 75 de desnível, é para ser percorrido em 24,53? – “Por amor da santa! Haja respeito e vergonha!

Bom, abonará a meu favor, o facto de não conhecer Vieira do Minho e me ter distraído em demasia, com os seus jardins…monumentos…área fluvial…parque…minhotas e…pronto…chega de desculpas de mau pagador.

Assumo sem problema, que as pernas me traíram. Nem consigo arranjar um simples lapso técnico, uma opção menos conseguida, nada. O desgaste do dia anterior tinha feito a sua mossa. Défice físico e ponto final.

Anotem mais uma verdade pura e dura dos nossos populares sabichões – “quem andou, não tem para andar”. Eu bem tentei contrariar a inércia. A cabeça fartou-se de dar ordens, só que as pernas desobedeciam constantemente. A primeira a querer correr, as outras duas a desejarem abrandar. É fácil perceber que venceu a maioria (uma “berdadeira” insubordinação).

Agora a sério (mas não muito)

Agora a sério (mas não muito). Não obstante ter realizado uma prova tecnicamente perfeita, é do conhecimento geral que corro pouco, não servindo de argumento o pormenor de me sentir fatigado, pois todos os adversários se encontravam igualmente nas lonas.

Todavia, qualquer competição por muito acessível que seja, contando com o “berdadeiro” como figurante, transforma-se naturalmente num filme de epílogo duvidoso.

A subida pronunciada para o triângulo deixou-me algo apreensivo. Se escolheram uma parede logo a abrir, que carga de trabalhos nos aguardaria? Confesso que stressei por antecipação, mas aparentemente sem razão.

mal-agradecido

A “morte do artista”

Na realidade, o arborizado parque onde me aguardavam os primeiros cinco pontos, apresentava um desnível razoável em socalco, enfeitado com uma profusão de trilhos, a justificar a máxima atenção, de modo a evitar a “morte do artista”, mas não se revelou nenhum papão. Durante sete minutos, fui obrigado a descer vertiginosamente, para de seguida subir rápido, tornar a descer quase aos trambolhões e finalmente atacar nova encosta, já em ritmo de cágado cansado.

Se para a maioria, este intróito funcionou como um ligeiro aquecimento, no que toca ao “berdadeiro”, deixou-o num estado pré comatoso. Contudo, a mão cheia de pernadas que se seguiram, caracterizaram-se pela baixa exigência, aproveitando para recuperar fôlego e sacudir o peso das pernas (o traçador é mesmo um querido). No entanto, para meu desgosto, não revelei capacidade para impor um ritmo decente, que evitasse fazer jus à falta de educação, por não saber agradecer a dádiva que me colocaram à disposição.

Com mais de metade do percurso efectuado e dando continuidade à sua veia benemérita, os responsáveis pelo traçado, enviaram-nos para a beira-rio, provavelmente para desfrutarmos daquela zona aprazível, mas também com o intuito de despacharmos mais um trio de controlos.

Paulo

Um susto dos diabos…

Encontrava-me eu entretido, com uma calma progressão num bem tratado tapete relvado, quando apanho um susto dos diabos, que por pouco não me provocava uma apoplexia.

Um dos meus parceiros, que havia partido largos minutos mais tarde, ultrapassa-me de supetão, controla o ponto 11, transpõe velozmente uma ponte estreita e dispara, tal “teenager” incandescente, por uma ingreme encosta acima, em busca das duas “pedrolas” que escondiam o ponto seguinte.

Fiquei estupefacto. -“ Qu`é isto? O homem emborrachou-se de “red bull”, só pode”.

Bateu-me cá uns fornicoques, que comentei com os meus botões: -“Não sou um “berdadeiro” nem sou nada, se não trepar aquela coisa em menos tempo e de uma assentada”. Abalancei-me, tomei gás, corri como um desalmado, só parando……..a meio da subida. Ooooooh!!!

“Uma corajosa tentativa!”

Trepar, trepei, mas cedo esgotei o combustível, ficando especado com os dedos enterrados na terra, para evitar rebolar por ali abaixo. Precisei de uns segundos para me voltar a equilibrar e terminar a escalada com um mínimo de dignidade. – “Uma corajosa tentativa!” – Afirmaria eu. – “Vexame dos antigos!” – Comentaria a “vozinha”.

O perfil da parte final da prova relembrou a montanha russa inicial. Apenas mudou o cenário. Após a escalada abrupta, seguiu-se trapalhona descida por escadaria com excesso de degraus (no limite do esbardalhanço), a maneira mais eficaz de apanhar o acesso à principal artéria da vila.

Tiago Romão

Óptimo piso, ideal para meter o “pé na tábua”, mas – com o “berdadeiro” sempre existe um mas – apresentando declive suficiente para me travar o andamento. Enfim, uma derradeira oferenda, que mais uma vez não consegui retribuir. Se já ia num ritmo vagaroso de madraço, reduzi para devagarinho e por um triz não acabei parado, junto ao ponto 14.

Enquanto me deslocava em passada deprimente, bufando de fadiga, era vê-los a passar céleres e altivos, todos lampeiros, irradiando frescura, pondo em causa a nossa idêntica faixa etária (vou exigir os BI`s daquela gente).

Num último assomo de “berdadeiro orientista” e em jeito de agradecimento, tomei a sagaz decisão (algo questionável leia-se), de utilizar as forças que ainda dispunha, para iludir o pessoal e terminar de forma apoteótica, num aplicadíssimo sprint pró “show off”, de fazer levantar a bancada (caso a houvesse).

No turbilhão da minha quimera, julgo ter ouvido alguém exclamar: – “Ena pá! O cota é supersónico”. Pudera! Cansei de me poupar, que este seria o menor dos elogios. Yessss! Enganei-os.

Mais artigos do Berdadeiro Orientista

Parte I

Parte II

[divide icon=”circle” width=”medium”]

Texto: Luís Pereira – O Berdadeiro Orientista!!!
Fotos: Cedidas por José Mário Batista

Parceiros