Uma poção… de trail!

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IV Amarante Christmas Trail

Fazia algum tempo que não visitava Amarante e o Marão… Foi este o pensamento que me motivou a desafiar alguns amigos (que integram invariavelmente a equipa doLarouco Trail Running Vilar de Perdizes em parceria com a revista O Praticante ) para irmos correr no IV Amarante Christmas Trail. Por outro lado, havia indicações de que valia a pena e que os trilhos estavam verdadeiramente apetecíveis. Estavam reunidas as condições para visitarmos este pedaço do Tâmega e a Aboadela. Residentes em Guimarães, deparámo-nos com a feliz coincidência à ligação histórica com São Gonçalo que, nascido em Tagilde (Guimarães) em 1187, deu visibilidade a Amarante até então relativamente desconhecida. Ganhou notoriedade com a fixação do Santo a quem se atribui a construção da velha ponte sobre o Tâmega, tornando-se Amarante alvo de peregrinações. Mas as origens desta terra serão provavelmente dos povos que habitavam a Serra da Aboboreira, na Idade da Pedra. Tínhamos uma série de ingredientes para uma poção de Domingo bem passado.

Amarante estava agitada com tanto colorido de trajes desportivos, temíamos que a boa disposição e o sono matinal fosse alterado pela viagem até à Aboadela, mas logo percebemos que o Município de Amarante e a organização se tinham empenhado verdadeiramente. Havia autocarros por todo lado e a partirem constantemente, a viagem foi calma e nada atribulada. Começa bem a jornada com uma ameaça vencida.

Chegados à praia fluvial, o ambiente estava animado, a chuva como que batizava a prova, obrigava os atletas a permanecerem juntos e abrigados, transformando um inconveniente num excelente motivo de conversa e convívio. A corrida (28KM) começou a horas, com a partida simbólica da ponte. Os primeiros metros dão espaço suficiente para os mais rápidos assumirem as posições da frente. A transição do fim da aldeia para o terreno agrícola e depois para a floresta foi rápida, estreitando o trilho durante quatro quilómetros. Alternando entre single tracks de terra mole e vegetação farta e alguns caminhos de acesso aos terrenos agrícolas, aproximámo-nos rapidamente de Covelo do Monte, primeiro ponto de abastecimento. Os quilómetros que antecederam Covelo do Monte foram calcados sobre um lajeado antigo, muito irregular, talhado pelos rodados, dando a experiência de mais um tipo de piso diferente e uma relação particular com a paisagem. Ao longo do percurso, a extração de resinas dos pinheiros davam um aroma agradável e adocicado à atmosfera. Em Covelo, o abastecimento era sóbrio mas suficiente para restabelecer do arranque inicial e preparar os dois quilómetros de subida que se anteviam. Podendo parecer cedo, poucos quilómetros realizados para um abastecimento, verificámos que nos esperava a “Terrível”: 250 metros com 38% de inclinação, vento, chuva e fraca visibilidade, obrigando a aumentar os níveis de concentração na corrida. Depois de superada, foi fácil chegar ao consenso: “a Terrível” é um hino ao trail, material obrigatório, pelo menos recomendável! Chegados ao topo iniciava-se uma descida vertiginosa: 2,5kms para aumentar o ritmo e recuperar algum tempo da subida, na direção da Capela e da antiga Estalagem de S. Bento. A 400 metros de altitude, observa-se no vale Sanche, Sedães e Souto iluminados por tímidos raios que intensificavam o verde húmido, a beleza e a monumentalidade do Marão. Estamos na “descida” para Amarante, longe de qualquer caminho monótono. O sobe e desce é constante, bem como a alteração da vegetação e a mudança de direção dos trilhos. O segundo abastecimento surge rápido, água e isotónicos apetecidos, e muda novamente o curso da prova. Monte abaixo por terra mole e restos de cortes recentes no arvoredo. A ideia de que parte da corrida seria sempre a descer configurava-se como uma ilusão, apesar do desnível negativo ser maior que o positivo, as subidas curtas ou mais longas e as variações de direção começam provocar danos e cansaço. As descidas têm um piso irregular, solicitando alguma técnica e a presença de músculos pouco habituais aos trepadores. A chegada ao abastecimento de Gondar, bem implantado no adro da capela do Mosteiro, é comparável a um oásis, com alguns extras no abastecimento sólido. Para trás ficaram 22 quilómetros que fizeram o espetáculo que o Marão pode proporcionar a provas de Trail, uma longa e sã relação ente o Homem e a Natureza. A caminho da Cruz a subida de novo, entre caminhos mais percorridos perto das povoações e entre quintais. Amarante estava perto mas, antes da descida final, mais 1 quilómetro que obrigava a reunir as últimas energias. Uma subida a passo, para subir também com os braços, encurtava distâncias e deixava tudo em aberto para quem percorresse mais rápido os últimos quilómetros. A corrida entra em Amarante por Queimado, com calçada escorregadia sempre a descer até à ponte e ao Largo de S. Clara.

Assim poderia terminar mais um relato de uma prova bem organizada com inúmeros motivos de interesse, mas isso seria apenas falar de uma corrida, e como ingenuamente e teimosamente continuo a ver e procurar muito mais no trail, fui brindado com um momento que destaco pelo que de pedagógico pode ter.

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José Nuno Paiva e Ricardo Aires

Na fase final, deveriam faltar dois a três quilómetros, o ritmo era elevado, dava uma força ao Ricardo Aires, quando ele se queixou que estava sem água e com algumas dificuldades inerentes. Naquele momento, o José Nuno Paiva, que seguia à sua frente, parou repentinamente e ofereceu a água quase instintivamente. Retomaram a corrida logo em seguida, sendo que o Ricardo Aires acabou por ser mais rápido. No entanto, no final, aguardou pelo companheiro e devolveu o gesto com um abraço de agradecimento, prefiro deixar para reflexão.

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José Graça

Tenho observado que o nível de preparação dos atletas das provas mais curtas é cada vez menor, acredito até que há quem se inscreva nos percursos mais curtos para fazer caminhada. Tivemos o privilégio de ter no percurso curto a participação de um verdadeiro praticante de trekking. José Graça, que caminha como muitos não conseguem correr, com uma mochila de cerca de 10 quilos às costas e sem qualquer equipamento específico de corrida, deixou para trás mais de cinquenta participantes do trail curto, sem nunca correr, segunda reflexão.

Termino com uma nota especial para a organização, considerando trabalho de profissionais. Fizeram da máxima “keep it simple” um trunfo, na escolha dos trilhos e das distâncias, sem complicações, dispensando o alto Marão. Correram alguns riscos ao misturar os percursos, longo e curto, mas pelo que me foi possível observar funcionou na perfeição, falharam muitas vezes os atletas mais lentos do percurso curto no apoio aos atletas do longo, ainda temos muito que aprender neste campo. E foram muitos e grandes atletas que marcaram presença, destacamos aqui dois grandes nomes e referências, Ester Alves e o Nuno Silva que nos presentearam recentemente com uma vitória e um segundo lugar respetivamente, no UCAM FalcoTrail Sky Marathon em Murcia, Espanha.

Houve muita atenção na escolha dos trilhos, quer pela beleza, quer pela segurança, presença constante de elementos da organização nas zonas críticas, apoio das autoridades nos locais que o exigiam. Não abundam trabalhos e organizações com este nível, da minha parte são uma referência a ter em conta quer pelo seu trabalho quer pelo exemplo de união entre diferentes staffs que se vão ajudando mutuamente. Passa por aí a solução e resolução dos maiores problemas com que se debatem as organizações hoje em dia (falta de meios e staff experiente, entre outros). Obrigado pelo saber receber e pela boa disposição isso não tem preço nem se treina!

Classificações:

Destaque para o dominio da satecnosol outdoor.
Trail Longo Geral Masculina
1º Bruno Gazela da equipa satecnosol outdoor em 02:27:36h
2º Pedro Alberto da Costa Sousa da equipa satecnosol outdoor em 02:27:54h
3º Bruno Coelho da equipa satecnosol outdoor em 02:29:39h

Trail Longo Geral Feminina
1ª Lucinda Sousa da equipa Gondomar Futsal Clube em 2:55:37h
2ª Paula Barbosa da equipa AFS estofos Auto com 3:09:17h
3ª Elisabete Vieira da equipa Dr. Merino/ Nutrifiti 3:19:00h

Trail Curto Geral Masculina
1º João Santos da equipa BoccasBalls em 01:16:42h
2º Armandino Taborda da equipa satecnosol outdoor em 01:19:52h
3º José Rodrigues da equipa Experienciar – Farmácia Vila Cova/Centro de Recuperação Daniel Cardoso em 01:21:52h

Trail Curto Geral Feminina
1ª Joana Fernandes da equipa .COM Clube de Orientação do Minho em 1:36:07h
2ª Tânia Costa da equipa .COM Clube de Orientação do Minho com 1:36:07h
3ª Cidália Novais da equipa Rinus Fafe em 1:40:15h

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Texto de: Mauro Fernandes e Miguel Bandeira

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