O Berdadeiro Orientista Épico e frustrante

Berdadeiro Orientista

Após seis anos de ausência, O Berdadeiro Orientista volta a escrever uma crónica, apenas por um perdurável motivo – há momentos na minha modalidade, que pela sua singularidade exigem ser partilhados.

Quando, pelas redes sociais, tomei conhecimento de que nevava na Serra da Cabreira, não consegui imaginar o que me aguardava.

Campeonato de Distância Longa de Orientação Pedestre

Durante a viagem para o local, onde o Campeonato de Distância Longa de Orientação Pedestre se iria realizar, ia vislumbrando as montanhas mais a norte, embrulhadas numa densa camada branca, que me deveria ter colocado em alerta. No entanto, desvalorizei o pormenor e a penalização não tardou.

Fomos vítimas de um percalço, logo a seguir a Cabeceiras de Basto, junto à aldeia de Agra, a apenas três quilómetros da arena. Um lamaçal demasiado pegajoso e perigosamente deslizante, fez estacar e proceder a inversão de marcha, uma longa caravana de veículos que se dirigia para o evento.

A solução encontrada obrigou a uma volta de mais trinta quilómetros, calcorreando as minhas conhecidas vetustas aldeias de Salamonde e Zebral. Mas de repente, já nos estradões da serra e muito perto do local da prova…uops! novo contratempo. Uma imensa fila de automóveis encontrava-se paralisada à minha frente.

Berdadeiro Orientista

A informação não tardou

A via de acesso estava intransitável, com uns bons centímetros de altura de neve acumulada, fruto do temporal nocturno. Havia que esperar pelo limpa-neves. A GNR e a Protecção Civil só nos deixariam passar depois de salvaguardada a segurança de todos os participantes.

O horário do início da competição foi de imediato adiado, mas ainda não havia certeza se a prova seria ou não cancelada. Enquanto isso, respirar fundo (os 1200 metros de altitude não ajudavam) e munir-nos de lotes de paciência.

Para quem vive junto ao mar, e só esporadicamente contacta com estas condições climatéricas, o cenário não podia ser mais entusiasmante. – “Agarra aí Luís” – grita a minha mulher. Viro-me e pumba – eficaz bola de neve no frontispício. –“ Ai é!”- ripostei, com uma rajada de “balázios” inofensivos.

Se tínhamos de esperar, iríamos fazê-lo da maneira mais descontraída possível. A “guerra branca” infantil instalou-se, para gaudio dos mais e menos novos. E as “selfies” iam-se sucedendo em catadupa, aproveitando aquele fantástico manto branco, como pano de fundo. Quero lá saber da prova!

Pois é. Por momentos, o objectivo da viagem tinha sido secundarizado. Contudo, o aparecimento do retardatário limpa-neves, obrigou o pessoal a focar-se novamente no problema em suspenso. Há uma prova para realizar, não se dispersem!

Após longa e cuidada ponderação, as autoridades e a organização do .COM, decidiram que a prova se efectuaria e teria o seu início duas horas mais tarde que o previsto.

Tinham-me atribuído uma das favas … a mim o berdadeiro orientista

Nessa altura começaram a equacionar-se os verdadeiros problemas para O Berdadeiro Orientista. Tinham-me atribuído uma das favas, com o meu tempo de partida a ser o penúltimo da competição, lá para as calendas das 12,47! Ora, com mais um par de horas em cima, iria partir quase ao anoitecer (que é como quem diz), para além da perspectiva pouco animadora, de poder demorar mais duas a efectuar o percurso e – facto não despiciendo – o de não ir encontrar vivalma.

A completar o panorama, um céu cinzentão, a ameaçar nevar, sob uns refrescantes 5/6 graus, ter de percorrer previsivelmente cerca de 6.500 metros (5.300 na red line), num terreno já de si agreste, completamente coberto com consistente camada de neve, circunstância que aumentava consideravelmente a dificuldade de progressão, aconselhava a doses de bom senso. Ou seja – “Luís, nem sonhes em sair do carro, quanto mais ires enterrar as sapatilhas na neve, olha que não trouxeste os esquis” – a minha preocupada “vozinha” a segredar.

Macho medricas refugia-se no carro, enquanto a dama zarpa para a aventura?

Acabava de me convencer que o melhor seria não disputar a prova, quando a minha mulher irrompe pelo carro e me assusta – “bom, está quase na hora, vou-me equipar, não posso perder a oportunidade de fazer orientação na neve”. O quê? Ela, a rainha da prudência, que parte apenas quinze minutos antes de mim, decidiu participar?

Mau, mau, isto não pode ser bom. Então o macho medricas refugia-se no carro, enquanto a dama zarpa para a aventura? Até pode ser raptada pelo “abominável homem das neves”. E sou acometido de uns suores frios da mais pura adrenalina.

Atenção Serra da Cabreira, O Berdadeiro Orientista vai atacar! Que a Nossa Senhora dos Azimutes o acompanhe. (se tiver trazido roupa quente)

Amanhã será publicada a segunda parte do artigo.

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Texto: Luís Pereira – O Berdadeiro Orientista!!!
Fotos: Cedidas por Fernando Costa

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