Carlos Coelho nos 230 km “corri em sprint até à meta, erguendo bem alta a nossa bandeira”

Ultra Jungle de 230 km na selva amazónica do Peru

Ao aterrar em Cuzco, a 3400 metros de altura, estava ansioso por saber como o meu organismo reagiria a uma altitude a que nunca tinha estado. Ao subir a pequena rampa de acesso ao aeroporto as batidas aceleradas do meu coração deram-me a resposta. Na manhã seguinte pelas 5h partimos em caravana, a viagem foi feita por estradas de terra e durou 4 horas até chegar ao acampamento base a 3000 metros de altitude onde foi feito o registo médico e a verificação do material obrigatório. Fomos distribuídos por tendas 2 a 2 e senti talvez a noite mais fria da minha vida, dormi com 2 calças, 2 camisolas, polar, gorro dentro de um saco cama que era previsto reter 80% do calor do corpo.

Carlos-Corrida

Começou a Ultra Jungle, e desloquei o ombro

De manhã, alinhei na meta para a 1ª etapa da Ultra Jungle com uma mochila de 10 kg mais água. Foi uma corrida tranquila onde ia subindo e descendo por trilhos apertados até que ao km 7, numa descida muito acentuada mas pouco técnica, desconcentrei-me e tropecei numa pedra caindo com uma violência potenciada pelo peso da mochila que rebentou a alça. Bati com o ombro numa pedra, sofri a pressão dos bastões que levava ao peito deslocando o ombro. Tive uma dor horrível e gritei por ajuda a 2 atletas que iam a pouco mais de 1 metro, mas não pararam para ajudar, o que me revoltou. Com muita dificuldade e dor consegui sozinho manipular e repor a articulação no lugar.

Nestas provas extremas é tudo muito relativo, no 1º momento pensei que era o maior azarado do planeta, no minuto seguinte após ter conseguido fazer a redução achei que tinha uma grande sorte por não ter fracturado nenhum osso. Tive de descer até ao CP por uma corda apenas com uma mão, onde fui visto pela equipa médica que confirmou não haver indícios de fracturas, pelo que podia, caso quisesse, continuar. Ao chegar ao fim da etapa com dores fui novamente examinado e concluiu-se que haveria apenas lesão ligamentar, pelo que me colocaram tapes para estabilizar a articulação e forneceram anti inflamatório.

No dia seguinte a 2ª etapa correu sem sobressaltos, estava calor o que me ajudou bastante e terminei com dores mas com bastante força e determinação.

A 3ª etapa correu também sem grande história e mantive sempre o meu ritmo, apenas com a dificuldade de subir durante 2 horas a montanha que dava o prémio de rei de montanha.

4ª Etapa da Ultra Jungle esteve para ser anulada

A 4ª etapa esteve para ser anulada devido ao forte temporal que caiu toda a noite levando a desmoronamentos de terras e enchentes em alguns rios, começando com 1h30m de atraso o que me prejudicou pois já tinha tomado a minha ração da manhã à quase 3 horas e estava já com bastante fome. ( Para quem não sabe, esta é uma prova em autossuficiência, o que significa que temos de carregar na mochila todo o material obrigatório, medicamentos, saco cama, rede de dormir, e a comida para toda a prova. Para economizar peso levamos apenas uma dose liofilizada para o pequeno almoço e outra para o fim do dia além das barritas).

Comecei já bastante fraco e cansado, também devido a não conseguir praticamente dormir devido às dores no ombro que aumentavam com a pressão da rede. Foi uma etapa muito dura e complicada, estive muito perto do inferno, com muitos rios e muita altimetria positiva e negativa com inclinações brutais de mais de 30º e com muita chuva e frio. Mais uma vez dei bastantes quedas nas descidas, que estavam cheias de barro e pedra solta, tendo deslocado mais 2 vezes o ombro de si já muito instável. Numa das quedas tive o azar de bater num ninho de vespas e fui atacado com violência e picado em todo o corpo, o mesmo aconteceu ao atleta que seguia atrás, felizmente fiquei assim a saber que não era alérgico às picadas de vespa. Ao fim de 8 horas terminei a etapa, exausto, gelado, cheio de cortes, com o bastão partido mas felizmente com os pés intactos.

Carlos-Subir

A ultima etapa da Ultra Jungle a mais longa

A 5ª e mais longa etapa começou às 5 horas da manhã. Começava com uma subida de cerca de 6 km em estradão pelo meio das comunidades índias, onde nos incentivavam e aplaudiam apesar de ainda ser noite, entrando de seguida mais uma vez na selva profunda. Nesta etapa fizemos a travessia de perto de 50 rios, chegando a caminhar cerca de 4 km seguidos dentro de um rio com a água entre os 50 e 70 cm mas, com uma corrente muito forte e com o fundo em pedra rolada grande e solta. Perto dos últimos 20 km, a montanha tornou-se extremamente complicada, com mais de 1h30m de subida e outro tanto de descida que foi completamente infernal e causa, mais uma vez, de inúmeras quedas e cortes a todos os concorrentes.
Embora cada etapa fosse mais dura que a anterior não existia lugar a desanimo, encontrava-me apenas focado no meu objectivo, cortar a meta aos 230km nos primeiros 20 lugares.

A Organização da prova aproximou-se muito do excelente, tudo bem marcado, excelente apoio medico, muito respeito pelo esforço dos atletas, cometendo nesta etapa possivelmente o seu único erro. À partida, segundo sei, apenas eu e o atleta espanhol Vicente Juan não fomos avisados que não era necessário transportar a rede de dormir, o saco cama e roupa seca, tudo material obrigatório que aumentou, em pouco menos de 2kg, o peso das nossas mochilas em relação às dos nossos concorrentes.

Erro de avaliação, não impediu de terminar

Na parte final da prova cometi um erro grave de avaliação ao enganar-me na hora do pôr do sol, pensei que cortaria a meta muito próximo de ficar noite mas com luz suficiente para chegar à meta sem necessitar de usar o frontal que estava na bolsa traseira da mochila e não consegui fazer a rotação do braço para o tirar devido à lesão do ombro. Tive de caminhar por medo de nova queda durante 4kms até que, a 1.5km da meta no ultimo CP, pedi para me retirarem o frontal e a bandeira de Portugal da mochila. Para finalizar corri em sprint até à meta, erguendo bem alta a nossa bandeira e obtendo o 10º lugar da geral, a 13 horas e 7 minutos do começo da etapa e com 35 horas e 51 minutos de corrida no total.

Carlos-com-bandeira

O que me levou a participar na Ultra Jungle

O que me levou a participar na Ultra Jungle de 230 km na selva amazónica do Peru foi para apoiar a Instituição de apoio a crianças com doenças raras, a Raríssimas.

Fui sensibilizado para as causas sociais ligadas à corrida sobretudo na maratona Des Sables no deserto e na Jungle no Brasil, onde encontrei atletas sobretudo orientais que corriam vestidos de forma distinta dos outros atletas. Uns apareciam de vaca de peluche, outros de tutu de bailarina, outros ainda de Avatar e uns tantos com mascotes.

Raríssimas

Escolhi a associação Raríssimas por representar crianças portadoras de doenças raras, que necessitam de apoio durante toda a vida e que por serem raras, pouco investimento na investigação de novas terapias é feito ainda pelas farmacêuticas.
Penso que a sociedade civil, todos nós, devemos ser também moralmente responsáveis pela ajuda a essas crianças.
Se cada um de nós deste enorme mundo de gente maravilhosa da corrida, ajudar com pouco que seja conseguiremos decerto apoiar o tratamento de um ou mais meninos por bastante tempo.

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Texto: Carlos Coelho
Fotos: Beyonde the Ultimate – Nothing Tougher

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