DURÃO FALA-NOS DO TOR DES GEANTS, 330 KMS DE SUPERAÇÃO

Paulo Durão a cruzar a linha de meta

O Seu nome é Paulo Durão, da equipa Viseu Trail, residente em Viseu e tem 46 anos, e OPraticante.pt esteve à conversa com ele sobre a sua participação no “Tor Des Geants

Começou por nos dizer “Sempre fui uma pessoa muito ativa que sempre que possível jogava futebol, ia à piscina, jogava ténis entre outros desportos.

Com o passar dos anos as pequenas lesões e mazelas começaram a ser uma constante!

Em 2015 surgiram as primeiras corridas pela cidade com os amigos e rapidamente percebi que a dinâmica era saudável, de certo modo mais fácil, pois podia correr quando queria sem depender da disponibilidade de outros!

Página do evento

Fonte: Henrique Dias // OPraticante.pt
Fotos cedidas pelo atleta

Durão
Paulo Durão vencedor 100milhas – Oh Meu Deus 2022 – Foto: Ruben Fragoso Fotografo

Da estrada aos míticos três dígitos do trail

As corridas em estrada foram apenas o inicio. Em 2016 fiz o meu primeiro trail, 21km, aqui em Viseu, e não mais voltei à estrada…

O ambiente, a camaradagem, a natureza, a beleza paisagística, a riqueza da fauna e da flora que se sente, respira e nos envolve num trail fez com que depressa me apaixonasse pela modalidade e procurasse sempre novos desafios!

Em 2017 já participava em ultras (provas com cerca de 50km) com presença, entre outras, na prova de Sicó, Piódão, Serra D’Arga e Amigos da Montanha.

No ano seguinte já me aventurei nos míticos 3 dígitos, endurance Trail, provas com mais de 100km. Participei em Sicó, São Mamede e Marão!

As sensações e vivências eram maravilhosas, cada prova com as suas características e dificuldades, mas sempre com bom ambiente, entreajuda e camaradagem!

Surge então a vontade de experimentar algo lá fora e fui até Espanha, participei no ‘Desafio Somiedo’ que se localiza próximo dos Picos da Europa.

Mais uma vez fiquei deslumbrado…a cada vez que elevava a fasquia e me superava, coloquei sempre um obstáculo maior como meta seguinte.

Fui de seguida aos Pirenéus em 2019 e participei na prova Mitic (112km com 9700D+) do Trail de Andorra.

A dureza da prova, a beleza paisagística, a simpatia dos locais, a organização excecional da prova fizeram desta a ‘minha prova’ ate então.

Pensei ir mais além e sonhava com o UTMB (Ultra Trail Mont Blanc) em Chamonix (França), uma prova nos Alpes que passa por três países; França, Itália e Suíça, designada como a meca do trail mundial, pois atrai todos os anos os melhores atletas do mundo e reúne cerca de 12000 atletas distribuídos pelas várias distancias cronometradas que teme.

Paulo Durão no Estrelaçor – Foto: Fotos do Zé

UTMB é realmente uma prova de sonho

Decidi então iniciar-me nas 100 milhas (provas com cerca de 165km) e em Portugal participei no Estrelaçor 180 km e no TPG (Trans Peneda Geres) como preparação para a presença no grande palco mundial.

O UTMB é realmente uma prova de sonho em que apesar das dificuldades se consegue fazer a prova sempre a ‘sorrir’. Assim foi a minha experiência no UTMB.

Um percurso fantástico, técnico, com muito single track, a paisagem é lindíssima e varia consoante a zona que se percorre, os locais são fontes de energia inesgotáveis que nos apoiam ao longo de todo o percurso.

A organização da prova funciona na perfeição e sentimos que temos sempre todo o apoio necessário. Uma prova de excelência que todo o praticante aspira um dia lá chegar.

Eu tive a sorte de viver esse sonho em 2021!

Saí de Chamonix com vontade de regressar!

Durão
Participação na UTMB 2021

E é então ao falar com amigos, ao ver e rever vídeos na net que me confronto com ‘a prova de trail mais dura do mundo’, o “Tor Des Geants”.

“Tor Des Geants” é uma prova nos Alpes Italianos, cronometrada com inicio e fim em Courmayeur, no Valle D’Aosta, na Itália.

De facto, a prova rainha desta organização são os 330km com um acumulado positivo de 24000m em que o percurso é circular e percorre os limites da região por entre as vias pedestres existentes, nomeadamente a 2 e a 3.

Quanto mais leio e vejo mais vontade tenho de ir, mas depende ainda de um sorteio pois as inscrições não são diretas e sujeitamo-nos à nossa sorte.

Finalmente recebo a confirmação que poderei participar na edição de 2022!

Tor Des Geants

Planear a participação e o inicio da aventura no Tor Des Geants

Delineie o ano de acordo com o “Tor Des Geants” participando apenas no “OH Meu Deus” na nossa fantástica Serra da Estrela. Mais uma prova de 100 milhas míticas que temos em Portugal.

Mas a cabeça, o pensamento não saía do “Tor Des Geants”… a ansiedade, as duvidas aumentam a cada dia que passa, mas a vontade esta lá, quero viver o TOR.

Chegado o dia, Domingo 11/09 pelas 10h da manha, na linha de partida dou comigo a pensar como é que iria conseguir completar aquele monstro de percurso, onde menos de metade dos participantes conseguem chegar à meta no Jardin de L’Ange.

Tinha a minha família comigo, sabia que tinha todo o apoio de quem tinha ficado por cá, não podia fraquejar.

Chegou então a elite para a frente do pelotão e estava tudo pronto para o inicio da grande aventura.

A ansiedade era grande, as duvidas maiores, tinha medo, estava emocionado, mas eis que se dá a partida e agora vai ser sempre em frente.

Esta prova tem 6 bases de vida onde temos a possibilidade de ver a nossa equipe de apoio e eu era um felizardo, pois eu tinha a melhor do mundo!

Na minha cabeça eu dividi a prova em 7 segmentos e sabia que para chegar ao fim teria inevitavelmente de superar um de cada vez, com muita calma.

Apos 9:30h de prova ao chegar ao primeiro apoio estava feliz, radiante de ver os meus familiares. Contava-lhes como a prova tinha tanto de belo como de difícil.

As paisagens deslumbrantes, com o Monte Bianco sempre a olhar para nós, descidas estonteantes sem fim, e assim foi superar os primeiros 3 cumes.

Paulo Durão no Tor des Geants

O Tor Des Geants era extremamente difícil

Dei-me conta que estava dentro dos primeiros 40 atletas a chegar aquele ponto e logo ali partilhei com a minha equipa que não ia conseguir continuar com aquele ritmo!

Seria impossível fisicamente aguentar ate ao final. E logo ali tomei a decisão de abrandar e desfrutar da prova, da beleza da região, das gentes, dos costumes, da gastronomia, de tudo bom que por ali existe.

Chegado ao segundo ponto de assistência já tinha percebido o porquê da elevada taxa de desistência nesta prova.

De facto, tivesse eu tentado manter o ritmo, não teria passado dali provavelmente.

Neste segmento percorremos 56km com 5020D+ passando apenas 3 cumes no parque Grande Paradiso.

A prova era extremamente difícil e eu estava nos meus limites.

Tinha dúvidas, tinha medo, estava cansado, as unhas dos pés já estavam negras, tinha queimaduras na cara, nos braços… e ainda faltava tanto.

Tentei dormir mas não consegui…o barulho, a claridade, o desassossego, não sei…sabia era que tinha que andar e assim continuei para mais um troço.

Pensava eu que seria o mais fácil, pois eram 46km com ‘apenas’ 2600D+. Pois bem, o problema foi mesmo descer o Col Champorcher dos 2800+ até à base de vida em Donnas a 385+.

31km numa descida louca onde passamos por locais incríveis, aldeias típicas transalpinas de beleza singular.

Cheguei no inicio da noite e depois de alguns miminhos e carinhos por parte de todos, lá me deitei e consegui dormir 1 hora.

Seguia-se agora o 4 segmento, o mais difícil, 57km com 6060D+. Foi subir até mais não, degraus, trilhos, estradões, tinha de tudo mas era sempre a subir!

Durão
Paulo Durão a receber uma massagem

“A melhor ‘polenta’ que comi até hoje”

Até que, e sem me dar conta, estou num cume, no topo do mundo, via o Monte Rosa (coberto de neve), tinha uma visão privilegiada dos alpes, montes, lagos, cumes, e também o Rifugio di Coda.

Lindíssimo, a 2800+ de altitude, a apoiar quem passa, com gente humilde a receber-nos, a tentar ajudar, encorajar…, mas nem sabia como dali sair…estava exausto, cansado, sem forças, ofegante, e ao ritmo que estava a andar não ia conseguir cumprir com o objetivo que tinha delineado para estar com a minha família.

Mas depois de algum descanso lá continuei. Fiz mais uma descida e outra subida e lá cheguei ao Rifugio della Barma.

Gente incrivelmente motivadora, bem-disposta e a servir a melhor ‘polenta’ que comi até hoje.

E lá fui de novo pois o tempo passava. Atravessei mais uns cumes e quando chega a noite ainda não estava na base de vida como planeado. Estava 12km atrasado!

Estava outra vez triste, dorido, cansado, com vontade de parar. Decidimos então parar e tentar dormir numa tenda ali improvisada.

Estava quase com 3 dias de prova e tinha dormido apenas 1 hora. Ainda me deitei, mas a festa era tanta, com musica, com barulho que decidi ir, pois ali não ia descansar.

Foi incrivelmente difícil chegar à base de vida, mas consegui. Assim que cheguei aterrei num colchão de ginásio e dormi cerca de 1 hora. Que bem que soube.

De seguida tomei banho e fui comer. Depois tratei dos pés e fiz uma massagem. Que bom.

Tanto carinho de desconhecidos, que estão ali apenas a ajudar. Os chamados ‘volontors’, voluntários do TOR. Gente de coração grande e bom.

As previsões eram de muito frio nos cumes

Voltei a comer e pus-me a caminho de novo, em busca da 5 base de vida. Seriam apenas 30km mas com 3250D+. A previsão era de chuva e frio nos cumes.

Saí pela manhã, de impermeável e ia mais motivado, cheio de vontade e saudade de ver a minha equipa de apoio, se corresse como planeado iria estar com eles 2 vezes, ao almoço e ao final do dia.

Correu lindamente, subi o Col Pinter e desci ao Valle Champoluc e lá estavam eles todos contentes de me ver. Comi e voltei a carga e o no final do dia lá nos encontrámos na penúltima base de vida.

Afinal não tinha chovido, mas estava nublado e não deu para ver o “Matterhorn” na Suíça.

O corpo estava destruído, mas a vontade estava lá, queria continuar, queria vencer o percurso, queria muito ser gigante.

Tomei banho, comi e dormi 1 hora. Estava agora a chover, mas tinha que sair.

As previsões eram de muito frio nos cumes. Lá fui. A cada passo que dava sentia-me mais fraco, mas lutava para não parar.

No meio da escuridão dei conta que o meu progresso estava a ser quase nulo…e sentei-me a olhar para o vazio!

Vi dois atletas que passaram por mim ofegantes, sempre a andar e eu ali parado. Vamos lá pensava eu, descansas no próximo ‘control point’.

Após chegar tomei 2 chás cheios de açúcar e baixei a cabeça, passei pelas brasas, mas dei conta que todos os outros estavam bem mais vestidos que eu.

Vesti então toda a roupa que trazia, térmica e impermeável pois afinal estariam cerca de -4oC e eu não me estava a dar conta.

Pela frente o Col Malatrà nos seus imponentes 2990m

Acompanhei então um francês e chegámos ao abastecimento seguinte. Estava a ficar de manhã e ia agora para o refugio mais alto da Aosta, quase a 2900m de altitude.

Uma zona linda, verde, com os cumes cinzentos, o céu estava azul de novo, fazia sol, mas ainda tínhamos mais 3 subidas e descidas para fazer.

Estonteante, a subir e a descer, sempre vertiginoso. Mas bem, consigo chegar a Ollomont, a ultima base de vida.

Faltava um segmento, a meta estava ali… 50km com 4300+, já não parecia nada! Comi, tomei banho, fiz massagem e dormi mais 1 hora! Estava ansioso e sai rumo a meta!

Faltavam 2 subidas e 2 descidas, mas tinha que subir quase aos 3000m para passar o Col Malatrà.

A primeira subida correu bem, mas como começo a descer percebo que vou a dormir em pé!

Era a quinta noite e teria dormido apenas 4 horas… ia a deambular pelo trilho abaixo e temia pelo meu bem-estar…. Enfim, chego a um abastecimento e lembro-me de me deitar num banco e desliguei!

Devo ter dormido 2 horas…comi e meti-me no trilho outra vez! Mas continuava cansado, com sono, a deambular e com vontade de dormir!

Sabia que no abastecimento seguinte havia camas e decidi parar e descansar…. Descansei mais 3 horas…

Afinal tinha agora pela frente o Col Malatrà nos seus imponentes 2990m, uma “via ferrata” super perigoso que exigia todo o meu discernimento.

Entretanto já era de dia de novo e coloquei como objetivo chegar ao desejado pórtico da meta em Courmayeur nessa tarde. Passo a passo, superei o Rifugio Frassati, o Col Malatrà, desci e subi ao ‘Pas Entre Deux Sauts’, desci ao Rifugio Bertone e continuei a descer até a meta!

Durão
Foto Finisher de Paulo Mota no Tor Des Geants

“Tor des Glaciers”, 450km será para mim?? O futuro o dirá…

Era sexta feira, 16:29h, cheguei emocionado, afinal tinha conseguido, abracei os meus, as lágrimas caiam, os locais também estavam emocionados, que alegria.

Indescritível. A emoção, a alegria, as dores, a realização de um sonho.

Fotos, congratulações, dos meus, dos locais, dos organizadores, que festa!!

Digno de gigantes!!

Agora era descansar!

Infelizmente depois de passar o Col Malatrà, formou-se uma tempestade e a neve impediu a travessia fazendo com que a organização tivesse que resgatar os atletas que estavam no Reifugio Frassati.

Ainda assim, passaram a meta 408 atletas dos cerca de 1000 atletas em prova.

Eu, terminava a prova no posto 243, com 126h27min. Mais de 5 dias na montanha.

Fantástica, dura, bela, fria, quente, rejuvenescida, calma, tranquila, brilhante.

Foi difícil, foi duro, vai perdurar na memória. Valeu muito a pena!

Fizeram-nos uma festa de despedida como nunca tinha vivido, todos passam no palco, todos são estrelas, todos são gigantes.

Fica a vontade de lá voltar.

Têm também o “Tor des Glaciers“, 450km em volta do Valle D’Aosta, será para mim??

O futuro o dirá…

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