José Estrangeiro com um 19º lugar no Campeonato do Mundo a “saber a muito pouco”

Campeonato do Mundo ITU de Triatlo Longo

Foi com uma agradável surpresa que recebi a noticia da minha convocatória para esta competição. As dificuldades económicas que o país atravessa, fazem-se também elas sentir no seio da Federação de Triatlo de Portugal, ainda para mais neste ano prévio aos Jogos Olímpicos, onde todos os recursos têm de ser disponibilizados para que os nossos atletas que lutam para poder estar presentes em tamanha competição, tenham todas as oportunidades competitivas e consigam o máximo de pontos possível para o seu ranking mundial. Sobrando desta forma, muito pouco para as vertentes não olímpicas, como é o caso do triatlo longo. Contudo a Federação sentiu confiança suficiente em nós (atletas convocados fui eu em masculinos e a Vanessa Pereira em femininos) para suportar o esforço financeiro inerente à deslocação desta selecção.

A prova disputava-se num formato pouco usual: 4kms de natação, 120kms de ciclismo sem drafting (possibilidade de andar em grupo) e por fim 30kms a correr.
Esta é uma distância muito pouco usual, mas que foi adoptada pela ITU (International Triathlon Union) há já alguns anos para ser a distância do campeonato do mundo, sendo utilizada quase exclusivamente nesta competição.

Preparação – Venho desde o inicio da época competindo apenas na distância Half Ironman (1,9kms natação, 90kms ciclismo e 21kms a correr), que requer um tipo e treino um pouco diferente, onde não é necessário tanto volume de treino, mas onde se tem de trabalhar um pouco mais a velocidade. É uma distância com cerca de duas horas menos de competição, e onde se nota a diferença de distâncias especialmente na natação e na corrida final. O ciclismo, apesar de ter mais 30kms, pouca diferença se nota, contudo esses kms a mais vão-se fazer sentir na hora de começar a correr os 30kms.
Posto isto, teria sido aconselhável fazer uma preparação especifica com vista a esta distância e tendo em conta a importância de ser um Campeonato do Mundo. Mas tal não foi possível. As referidas dificuldades orçamentais por parte da FTP, levaram a que a decisão de poder estar presente com uma Selecção pudesse ser tomada a escassas três semanas da competição com os atletas em pleno período competitivo.
No meu caso, apesar de não ter feito uma preparação especifica para esta competição, encontrava-me a meio de um período com várias competições, onde tinha obtido alguns resultados interessantes e de onde retirava bons indicadores. Assim sendo, as expectativas eram boas.

Percurso – A prova disputava-se em Motala, uma pequena cidade no centro da Suécia.
Apesar de a temperatura exterior ser a ideal para competir (17-23 graus), a temperatura da água, nos dias anteriores à competição, por seu lado estava no limite do permitido pelos regulamentos (13 graus!!!). Isto levou a que a hipótese de a natação ser anulada fosse ponderada, no entanto, e com o tempo a melhorar, na véspera da prova o termómetro marcava 14 graus, e foi tomada a decisão de encurtar a distância para 1,5 kms em vez dos 4 kms.
Foi uma decisão que me deixou satisfeito. Era uma distância onde sabia que não iria perder demasiado para os melhores nadadores, mas que por outro lado deixaria alguns bons ciclistas uns minutos atrás.
O ciclismo disputava-se num circuito de 40 kms nas estradas rurais em torno de Motala. Um circuito muito agradável, com o pavimento em bom estado e sem grandes dificuldades de terreno. Era um ciclismo rolante (cerca de 600 mts de desnível acumulado para os 120 kms), sem partes técnicas, onde a potência e a capacidade de rolar rápido fariam diferença.
A corrida, era toda ela feita na área junto ao lago e disputava-se em três voltas de 10 kms. Uma corrida também ela plana, com zonas de alcatrão, terra batida e até uma secção dentro de um bosque por entre as árvores. Um percurso bonito, com bastante sombra, e piso mole.

Prova – Uma natação com boas sensações e a sair da água onde era esperado. Apesar do frio inicial quando entrei na água (não nos foi permitido aquecer na água), desde que foi dado o tiro de partida, nunca mais houve frio. Temia que saísse da água com os pés e mãos demasiado frios e sem sensibilidade, e que isso me prejudicasse a transição, mas nada, tudo bem.
No ciclismo foi onde se fizeram as grandes diferenças. Num percurso rolante, têm vantagem os atletas mais pesados e mais potentes. E foi isso que aconteceu. Os atletas mais potentes, impuseram um ritmo fortíssimo e distanciaram-se dos demais. Tendo aberto um fosse bastante grande.
Eu consegui manter uma potência muito constante durante todos os 120 kms, tendo inclusivamente feito o meu melhor registo de sempre em termos de potência média (watts). Infelizmente, este desempenho não foi suficiente para conseguir acompanhar alguns do atletas mais rápidos, e acabaria por chegar à transição para a corrida com uma diferença muito grande para os primeiros, mas com alguma esperança e confiança depositada na minha corrida.
Na corrida, apesar de as sensações não serem as melhores, saí a correr a um bom ritmo. Era um ritmo que sabia ser bom para os 30 kms, e que se as pernas “soltassem” poderia ainda conseguir correr mais rápido.

Sou um atleta bastante minimalista no que toca à corrida, apenas levo comigo o necessário (entenda-se, o mínimo possível). E geralmente confio na nutrição que as organizações disponibilizam. [Se por um lado, durante o ciclismo apenas confio no meu gel e bebida energética (o facto de a posição demasiado fechada na bicicleta dificultar-me a digestão, leva a que apenas utilize produtos com os quais já estou familiarizado), por outro lado, na corrida tenho bastante facilidade em assimilar e digerir vários tipos de produtos.]
Isto levou a que saísse para correr sem qualquer tipo de nutrição minha, apenas três comprimidos de sal e dois de cafeína. Ao chegar ao primeiro abastecimento, pego numa garrafa de água e dirijo-me à secção da alimentação para buscar um gel, para meu espanto, a única “nutrição” disponível eram bananas e cacetinhos, sim, pão! Nunca antes, em 12 anos de triatlo, tinha visto darem pão (ainda por cima sem nada) num abastecimento de uma prova! Se tivessem o pão, mas também tivessem gel ou barras energéticas, não me faria diferença, contudo, é inadmissível num Campeonato do Mundo de longa distância, onde supostamente o tempo de competição dos primeiros atletas rondaria as seis horas haver uma falha destas.
Assim sendo, aguentei o ritmo inicialmente imposto até ao km 15, altura em que comecei a quebrar demasiado. Os últimos 10 kms foram um autentico calvário, onde me esforçava para não baixar o já lento ritmo (4m30s/km), e onde principalmente já só queria chegar à meta.
Foram 30 kms movido apenas a goles de bebida energética e coca-cola, e alguns pedaços de banana quando a fome apertava que me deixaram de rastos e fora de um lugar nos 15 primeiros.

No final, um 19º lugar, que sabe a muito pouco, mas que não deixa de ser honroso. Afinal de contas, não é todos os dias que nos vemos nos 20 melhores do mundo.

A Vanessa Pereira acabou por ser desclassificada, por não ter parado na tenda de penalização na volta em que foi penalizada.
Não se apercebeu da tenda, e parou apenas na volta seguinte, cumprindo a penalização na integra, contudo os juízes foram inflexíveis e acabaram por a desclassificar.

Texto de: José Estrangeiro