Tiago Aires a maratona de montanha mais dura do mundo

Tiago Aires, 34 anos, atleta de Elite com longa experiência em Orientação Pedestre, 11 vezes campeão nacional de Elite e 4 vezes campeão nacional junior, conta na presente época e até ao momento com o primeiro lugar no Ranking Nacional de Orientação em representação do Gafanhori – Arraiolos. Fez recentemente a sua incursão nas provas de Trail, encontrando-se igualmente posicionado no primeiro lugar no Campeonato Nacional de Trail em representação da Nutrimania Sports Nutrition.
Fomos ao encontro de Tiago, para que o mesmo nos fale, sobretudo da sua participação, no passado dia 16 de abril, na Maratona “Trail Pastores de Portudera 2016” nas Astúrias – Picos da Europa, onde conquistou o 11º lugar na geral.
Praticante: Tiago, qual a tua principal motivação para participares numa prova classificada pela organização, como “a maratona de montanha mais dura do mundo” ?
Tiago: Uma competição com essas características, foi a principal razão que me fez desde o primeiro momento querer realizar a prova, juntamente com o facto de há muitos anos querer ir aos Picos da Europa.
P.: Sentias-te preparado para a exigência desta prova?
T.: Não, mas aí estava o principal fascínio de realizar esta prova. Nunca tinha corrido em áreas tão grandes com neve, nem utilizado em prova bastões ou crampons e, o máximo de desnível que já tinha realizado, foi perto de 3.000m D+ no Ultra-Trail de Piódão este ano. Mesmo a duração total do evento esteve acima do meu máximo histórico. Este conjunto de fatores motivaram-me bastante para treinar nos últimos meses e preparar-me da melhor forma. Queria provar a mim mesmo que seria capaz de executar e adaptar-me a este tipo de esforço. Sabia que se ultrapassasse este objetivo com sucesso, subiria mais um degrau e quebraria uma barreira mental.
P.: Sabemos que desenvolves a tua atividade profissional como cartógrafo na elaboração de mapas de Orientação, passando grande parte dos dias de trabalho na floresta. De que forma isso influência, por um lado o gosto pela modalidade e por outro lado a facilidade, ou não de melhor te preparares para eventos deste nível?
T.: Muito do meu tempo é passado na floresta/campo, em trabalho de cartografia ou como organizador de eventos, por isso o espaço é o mesmo e estou habituado a ele. Ser cartógrafo é uma profissão muito exigente fisicamente, pois envolve caminhar muitas horas seguidas pelo campo ou montanha e no final dos dias nem sempre se está na melhor condição para ir treinar, devido ao cansaço. Se por um lado o acesso ao local de treino é facilitado por esta profissão, por outro, ela própria apresenta-se como uma limitação.
Em todo o caso, quero acreditar (tento sempre ver algo de positivo) que estes contextos serão importantes para a minha adaptação e gosto pelas provas de trail/corrida em montanha. Quanto à preparação específica para alguns eventos, exige que me desloque a locais com caraterísticas mais idênticas àquelas que vão estar presentes na competição.
P.: Consideras haver em Portugal, condições para uma boa preparação, locais de treino adequados, para provas na alta montanha, como é o caso dos Picos da Europa?
T.: Penso que, locais de treino adequados para provas nos Picos da Europa, não devem de existir em muitas partes do mundo. Não sou um especialista no trail, ando nisto há pouco tempo, mas pelo que vejo em Portugal, existem alguns lugares onde se poderá fazer uma preparação ajustada, como na Serra da Estrela, na Madeira e Açores, no Gerês, e certamente em outros locais que ainda desconheço. Seja como for, a competição “Trail de los Pastores de Portudera” deve ser olhada, do meu ponto de vista, mais como uma prova extreme, para se viver uma experiência diferente, marcante e talvez única.
P.: O teu gosto e experiência em Orientação, de alguma forma influenciam o teu desempenho nas provas de Trail? De que forma farias a ponte entre estas duas disciplinas?
T.: Já são 18 anos de experiência/prática acumulada. Talvez o Trail, por algumas similaridades com a Orientação me tenha cativado e tenha sido fácil a adaptação inicial.
Comecei com 15 anos na Orientação, sempre tive (e tenho) gosto por esta modalidade, a ponto de, nela, ser atleta, treinador, organizador de eventos, formador e, ter sido dirigente e selecionador das seleções jovens. Tenho pena de não ter começado mais cedo e de, infelizmente a Federação Portuguesa de Orientação não ter mais capacidade financeira para divulgar e apoiar este fantástico desporto e os atletas. Depois de tantos anos a praticar Orientação em muitos países (19 países diferentes), desenvolvi boa capacidade de corrida em todo o tipo de terrenos. No transfer da Orientação para o Trail há sempre ajustes que têm de ser feitos, não só pela duração mas também pelo desnível.
P.: Para finalizar esta entrevista, e com a prova efetivamente realizada, como qualificarias esta experiência, o grau de exigência, não deixando de fazer uma breve referência ao Km Vertical que faz parte desta mítica prova?
T.: Foi uma das experiências desportivas mais marcantes até agora. O km vertical “Aventón de las Palancas” é realmente impressionante. Só tinha subido em treino o km vertical da Lousã que decorre em sensivelmente 8km, enquanto este é feito em 2km (45% inclinação média) e, que ao que dizem, é o mais duro do mundo. De qualquer forma fiquei com a sensação que não é ali que se ganha ou perde a prova, pois vamos todos a um ritmo muito idêntico. Durante a prova, impressionou-me ainda, alguns acontecimentos como: assistir ao nascer do sol enquanto subíamos a montanha, correr no glaciar, descer por encostas sem trilhos em terreno muito escorregadio, e a calçada romana já perto do fim. E claro, a paisagem é sempre deslumbrante.
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Texto: Miguel David
Fotos: Luis Lastra / Pedro Pables Peres