Dois Amores, Atletismo e o Boavista

Baltazar-Sousa

Baltazar Sousa, 46 anos, é natural de Matosinhos e está casado com a também Atleta Albina Gavina, são pais de dois filhos.

Atleta conhecido por todos no mundo do atletismo nacional, Baltazar Sousa, é dono de uma personalidade forte, humilde, e carismática e tem ao longo de sua carreira no atletismo nacional obtido vários recordes e vitórias que muito orgulham os seus seguidores.

Há dois anos sensivelmente, e com o apoio do Vice-Presidente das Modalidades Amadoras do Boavista FC, o Engº António Marques, Baltazar Sousa impulsionou o regresso da modalidade atletismo ao Boavista FC, enfrentando muitas vezes as adversidades e a escassez de apoios financeiros. Calçou as sapatilhas e com muita motivação reuniu um número considerável de atletas que abraçaram e acompanharam este grande homem nesta empreitada.

«Aqui somos todos amadores e os atletas têm de pagar o equipamento do seu próprio bolso. É esse o espírito e as pessoas estão a aderir de uma forma simpática e apaixonada. Estamos todos imbuídos do mesmo espírito e essa é também uma nova realidade do nosso atletismo, em que os patrocinadores rareiam e tem de ser os próprios atletas a suportar as despesas. Claro que queremos que isso possa mudar nos próximos anos, mas é evidente que os nossos atletas sentem a camisola que vestem e que lhes traz ainda muita notoriedade»

Baltazar Sousa, iniciou-se desde muito novo no atletismo, tendo dado as suas primeiras passadas no Boavista F.C. Recorda com emoção uma história que o marcou:

“Eu morava com o meu pai no bairro das Campinas e enquanto os meus amigos se divertiam a jogar à bola, eu divertia-me a correr e a ver os atletas a correr. Sempre tive a tendência para correr, eu ia fazer um recado e não ia a passo, ia a correr! Aos 12 anos surge no bairro um clube de atletismo, o Centro Cultural Bairro das Campinas, e comecei a correr com eles.

Eu vim logo para o Boavista porque tinha uma explicadora que era directora do Boavista e quando viu um miúdo a correr tanto, resolveu trazer-me para cá, onde fiz o meu primeiro teste a correr atrás de uma “menina”, menina essa que era nem mais nem menos a Albertina Dias, uma campeã! E aproveito para contar uma história curiosa: Comecei em Outubro no Boavista e em Dezembro participei no Grande Prémio do Natal do Clube Atlântico da Madalena. Ganhei a prova com a camisola do Boavista mas com as minhas sapatilhas da feira, sapatilhas que estavam rotas por baixo e os meus dedos pisavam o paralelo. Quando Baltazar-Sousa01cheguei ao fim da prova reparei que o Sr. Tavares Rijo, vice-diretor do Boavista, estava em lágrimas por ter assistido à situação e logo de seguida ofereceu-me umas sapatilhas Asics, as que eu limpava sempre que usava e ao Domingo saía sempre com elas, foram as minhas primeiras sapatilhas de marca! Foi no Boavista que fiz a minha carreira como jovem e onde fui campeão Regional de Iniciados e de Juvenis”.

Após sair do Boavista F.C., Baltazar representou outros Clubes.

Baltazar Sousa, atleta e treinador, aceitou nos responder algumas questões para O Praticante:

O Praticante – O que te motivou a reactivar a modalidade de Atletismo no Boavista F.C?

B.S. – Sou muito saudosista, amarro-me muito ás coisas e quanto mais avanço na idade mais me reporto aos momentos em que comecei a descobrir os meus momentos de alegria. Comecei no Boavista, ainda sinto o cheiro da relva do campo, isto enquanto treinava á volta na pista, ás vezes fecho os olhos e revejo tudo.
Vou ao passado alimentar as minhas forças para aguentar e sentir o presente de forma a ter vontade de encarar o futuro.

O Praticante – Qual a tua distância preferida, porquê?

B.S. – Bom, aqui é complicado de responder e ao mesmo tempo fácil, mas tenho que responder de forma mais técnica e extensiva. O corta mato é a minha prova de eleição, correr na lama ou em terra batida, entre subidas e descidas ou mesmo em relva, gosto de sentir a natureza, a dureza do percurso, o abrandar numa curva para depois voltar a acelerar ou até afundar-me na lama para depois ter que reagir ao cansaço.
Os 1500 metros em pista, era e é aquela prova que mais aprecio (em pista), é necessário correr no limite mas de forma muito táctica, para nos 300 metros ainda ir mais acima do limite, gosto muito mesmo.
Quando um trabalhador fica com uma incapacidade contraída num sinistro, este recebe uma pensão vitalícia da seguradora, todos os anos tem que fazer prova de vida para continuar a receber a sua pensão. A maratona é no fundo a minha prova de vida. A maratona não é de todo tão o existente, posso correr no meu ritmo, como algumas faculdades se vão perdendo, nomeadamente a velocidade, então imprimindo um ritmo mais confortável conforme o meu limiar…apenas tenho que gerir e ter paciência.

O Praticante – Qual a prova que mais marcou a tua carreira desportiva até a data? Porquê?

Baltazar-Sousa02B.S. – Pelo lado positivo e ao mesmo tempo negativo, foram duas provas; Uma foi quando venci o Campeonato nacional de Corta Mato em Juniores. Acho que não deveria ter vencido, teria sido melhor para mim, assim não teria sofrido com tanta carga negativa, seria melhor ter vivido no anonimato. A outra prova, foi quando corri na pista os 10000 metros para o tempo de 29m51s (4ª melhor marca da Europa em juniores na época) e fiz mínimos para o campeonato do mundo, também acho que deveria ter feito apenas uma caminha.
Apesar de ter sido tão bom, ter vivido esses momentos, de nada me valeram, isto porque no ano seguinte o SLB, emprestou-me ao Belenenses, isto para dar lugar aos que efectivamente seriam a mais-valia para o clube, grandes atletas, com estes “fabricados” no FCP não havia lugar para os que estavam a ser preparados para NADA.
Sem dinheiro e sem esperança tive que inventar uma solução (sou assim, invento sempre uma saída), um ano após ter vivido a história das provas acima, já me encontra a contribuir para a segurança social…o subsídio de alta competição durante sete meses ”népias”, há já mês esquecia! Também fiquei sem treinador no final da época no Belenenses, ele também desiludido, foi para o futebol, mas não me disse nada (compreendo, seria difícil).

O Praticante -Tens algum ídolo no atletismo? Qual e porquê?

B.S. – Não, não tenho ídolos nem gosto, apenas referencias.
O Carlos Lopes, O Fernando Mamede e o saudoso António Leitão.

O Praticante – Abraçaste uma causa e tens um pelotão de atletas de várias idades e escalões que te estima e te têm como um exemplo. Podes dar um pequeno aconselhamento para os todos os Atletas amadores e iniciantes que gostam de correr mas, muitas vezes não têm um segmento ou orientação técnica de treino?

B.S. – É muito importante começar-se como antigamente, ou seja. Progressivamente.
Depois de uma paragem de um mês após as férias, começava a treinar durante duas semanas, rolava entre 30 a 40 minutos, na primeira semana dia sim dia não, depois ia para os 40 mim todos os dias. O que vejo agora; pessoas que se apaixonam pela nossa modalidade e levam logo “injecção” de km e mais km.
Vejo ainda, “malta” a procurar na Internet o seu método (que é para todos) de treino, ou a recorrer a “ treinadores” que acordaram um dia qualquer e partiram para a aventura de treinar um pelotão.
Escolham o treinador como se escolhessem um Médico, este da especialidade Desportiva, não de Clínica Geral. Depois sigam a “prescrição da receita”, não tentem ser curandeiros nem procurar curandeiros, estamos a lidar com o nosso corpo, com a nossa saúde física e mental.

O Praticante – Tens algum projecto pessoal a nível de provas para o futuro que possas partilhar conosco?

B.S. – Sonho com um grande evento, tudo a decorrer num só dia, de manhã até à noite. A abrir o evento com corrida para jovens e terminar… corrida nocturna… luz…som… estádio…, escadas…cidade…espectáculo…e preto e branco!

O Praticante – Fala-nos um pouco do trabalho que tens feito com os jovens a quem tens dado formação.

B.S. – Nada de mais, apenas tento seguir o exemplo dos treinadores de referência para mim. O minha regra máxima e que procuro não me desviar desse foco é o cuidado com as cargas contra natura. É fácil por jovens com qualidade a “andar” demais…
Tento ser amigo e estar sempre pronto para os apoiar em tudo o que for necessário.

O Praticante – Como resumes até a data a tua carreira desportiva e o teu maior objectivo futuro?

B.S. – (Pausa…) Sei lá bem, bom nada de especial apenas fui fazendo o que gosto e espero continuar a gostar. Mesmo com tanta ingratidão, desilusão vou tendo alguns amigos que me ajudam muito no momento certo, uma simples mensagem um simples olhar vão alimentando a vontade de continuar a correr e ajudar outros a gostarem de correr .

O Praticante – Já pensaste no dia em que vais pendurar as sapatilhas e deixar de correr?

B.S. – Não penso! Vou parar quando morrer! O que me motiva ainda hoje, mesmo depois das dificuldades desportivas, é a paixão pelo atletismo!

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Texto de: Valquíria Silva

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