Não soube mal, só soube a pouco, a Cabreira venceu

trailSerra da Cabreira, entre o Minho e Trás-os-Montes, onde nasce o Rio Ave, diferenciadora pelo seu património e as tradições das suas gentes, são atrativos difíceis de ignorar. Território ocupado desde a pré-história e as localidades, onde se fez sempre a presença militar de diferentes povos, com destaque para os romanos, atestam o valor estratégico desta área no controle das principais vias. A Serra da Cabreira estende-se pelos territórios de Vieira do Minho e de Cabeceiras de Basto. Esta Serra conserva ainda um importante núcleo de vestígios arqueológicos, como abrigos pré-históricos, sepulcros megalíticos, mamoas, gravuras rupestres que atestam a antiguidade da ocupação humana neste concelho. Na paisagem montanhosa, os pequenos riachos e as quedas de água fazem as delícias dos amantes da natureza. Ainda é possível descobrir locais em estado quase selvagem, em muitos recantos da serra. Na Cabreira, existem também uma flora e fauna que a distinguem, onde se destaca o garrano, espécie equídea portuguesa que ainda hoje encontramos com frequência. Nas aldeias, os costumes de outros tempos: a agricultura de subsistência, o pastoreio e a produção de vinho, em pequena escala, continuam a ocupar as gentes que aqui moram. Os espigueiros ou canastros, ainda usados para guardar os produtos da terra, também continuam a marcar presença na Cabreira. Por tudo isto e mais, a prova de Trail da Cabreira prometia atrair os amantes do trail e das caminhadas, sobretudo da natureza. Uma caminhada de 6km, um trail curto de 15 km e um longo de 22km eram os desafios propostos, de destacar alguma consciência social e ambiental, com parte das verbas a reverter em prol da reflorestação da Serra e parte para uma associação local.

Pela mera apresentação e do ponto de vista do que é o trail nacional, destacavam-se algumas curiosidades. Primeiro, são duas provas de distâncias muito próximas (15 e 22 km). A questão que imediatamente me ocorreu: não merecia a Cabreira uma prova mais longa? Efetivamente, há constrangimentos que levam as organizações a tomar decisões menos consensuais, mas era preciso dar o benefício da dúvida e aguardar as surpresas que a organização preparava relativamente aos trilhos e às paisagens. Uma outra caraterística invulgar era o facto de as provas terem um desnível negativo bastante superior, ou seja, maioritariamente a descer.

Mas passemos à descrição recolhida pela equipa que O Praticante / Larouco Trail Running Vilar de Perdizes destacou para o evento, nomeadamente para a prova de 22km.

Pelas 8 horas, o movimento de atletas começou a aumentar junto ao secretariado da prova nas imediações dos Paços do Concelho. O local escolhido para a concentração foi acertado, pois abundava o espaço e a praça ampla e soalheira tornou a espera dos autocarros, que nos levariam serra acima, até à linha de partida, menos penosa. A nossa equipa, de quatro elementos, optou por esperar pelo último autocarro, pois adivinhava que a espera no local da partida, no alto da Cabreira, não seria, de todo, agradável. A coordenação dos transportes, não é normalmente a melhor nestes casos. Contudo, apenas atrasou o início da corrida, quinze minutos, o que é perfeitamente compreensível.

Um amplo estradão aguardava os atletas do trail longo e curto. Após um breve discurso de uma autoridade local, alguém substitui o tiro de partida por palavras orientadoras, o suficiente para quem impacientemente aguardava desfrutar desta maravilhosa serra. Até aqui os atletas apenas sentiram falta de uma pequena animação à receção ou mesmo no ponto de partida.

trail01Os primeiros dois quilómetros foram corridos em estradão com ligeira inclinação ascendente e que levou a que, na cabeça das três centenas de corredores se corresse a um ritmo bastante elevado. A saída do estradão e a entrada nos trilhos coincidiu com o vislumbre das imponentes elevações sobranceiras à Cabreira, as Serras do Gerês. Os trilhos, apesar de bastante rolantes, apresentavam-se técnicos em determinados pontos, abundava a pedra solta. Durante alguns quilómetros fomos ziguezagueando nessa montanha russa que nos fazia disfrutar e retirar um prazer enorme da corrida. Esse prazer era complementado pelo quadro natural que nos envolvia. A abundância de sinalização, através de fitas e placas, permitia-nos correr descontraídos e sem hesitações.

A primeira metade da prova decorreu num sobe e desce constante, que, sem apresentar grandes subidas, desgastava bastante. A organização apresentou-se discreta, mas presente nos pontos mais complicados. Deixou-nos, no entanto, algo surpreendidos a ausência de pontos de controlo surpresa ao longo da prova. Facto que suscitou alguma admiração por parte dos atletas, pois os atletas do trail longo poderiam, na separação das provas, seguir pelo percurso do trail curto, sem que a organização se apercebesse. Este facto teve expressão nos comentários de alguns atletas, à chegada.

Foi uma agradável surpresa ao verificarmos que a organização tinha colocado mais postos de abastecimento que os anunciados, principalmente líquidos, provavelmente para adequar às condições atmosféricas e a alguns participantes menos experientes. Nos abastecimentos previstos, encontrava-se alguma diversidade em quantidades suficientes para as duas distâncias.
Nos primeiros metros a seguir ao desvio, um curto pinhal (1km) mudou por completo a atmosfera, seria necessário fazer um slalom por ramos baixos e densos. A seguir foi “rolar” por um single track com uma vista espetacular sobre o montanhoso Gerês e o Vale do Cávado.

trail02Na segunda metade da prova, logo após o abastecimento sólido, esperavam-nos descidas longas e uma deslumbrante passagem por um bosque de coníferas onde, a muito custo, penetravam os raios de sol. A saída do bosque deu-se diretamente para um pequeno rio, de água límpida, com algum caudal mas de travessia acessível.

A chegada aos 916m, o ponto mais alto, através de vegetação rasteira batida pelo vento seco é muito rápida, mas merece uma pausa para observar as vistas distantes e inspirar a tranquilidade. Aqui se inicia a primeira descida, que com um piso bastante regular permite grande velocidade e um serpenteado animador e brincalhão.

Após o primeiro abastecimento volta-se a subir ligeiramente a encosta que se percorre num caminho com uma cota ligeiramente abaixo dos primeiros quilómetros. Pequenos regatos descem a montanha refrescando um percurso que o sol começava a aquecer. Por volta dos 11 quilómetros, o trail da Cabreira mergulha na floresta. A luz proporciona momentos verdadeiramente mágicos quando intensifica o colorido da folhagem, o piso torna-se mais macio, e a paisagem contraria a vontade de acelerar o que a descida suscita. Entretanto já passara o primeiro abastecimento sólido, com os ingredientes habituais, mas com grande qualidade, sobretudo a qualidade da aletria de fazer inveja a outras que se tem comido. Uma nota para o presunto cortado na hora, com boa cura e equilibrado de sal. Mais adiante são os aromas a pinho, as belíssimas travessias de madeira e a frescura revigorante do regato, que atravessamos pelo quilómetro 15.

A presença do staff fez-se essencialmente nos cruzamentos principais e nas travessias dos ribeiros potencialmente mais perigosas; havia ambulâncias e bombeiros junto dos abastecimentos principais; o percurso pouco técnico não oferecia grandes cautelas ou perigos, no entanto, a beleza da paisagem poderia distrair e proporcionar uns quantos entorses.

trail03O percurso entra na sua etapa final e, antes de Vila Seca, o último abastecimento líquido é enriquecido por bolas de Berlim e profiteroles de grande qualidade. Pés frescos e estômago quente transformaram os últimos quilómetros de acesso a Vieira num prazeroso final.

Parabéns ao Nuno Fernandes (Fafe runners), que nos vai habituando a bons resultados e ao pódio, vencedor dos 22 km, nos femininos Cidália Novais (Individual) terá tido pouco tempo para apreciar a paisagem com uma hora e quarenta e dois minutos. No Trail curto, com uma hora e quinze, os vencedores foram Fernando Gonçalves (individual) e Tânia Costa (Clube Orientação Minho).

Apesar do final pouco entusiástico, os atletas chegavam com um sorriso de satisfação, a Cabreira tinha vencido. Terá sido uma boa entrada, para aquilo que se espera ser uma refeição completa numa segunda edição, não soube mal, só soube a pouco. Parabéns à organização pela coragem de enfrentarem o desafio, pelos trilhos muito bem marcados, pelos abastecimentos requintados e sobretudo pela satisfação geral dos atletas, por si só é um feito. Até para o ano!

Texto: Mauro Fernandes

Relatos: Gil Oliveira / Miguel Bandeira

Fotos: Miguel Bandeira

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