QUANDO CORRER É UM ATO DE AMOR
Foto: Cedida pelo atleta
O André transformou a corrida numa missão. O que começou como um desafio pessoal tornou-se um movimento solidário — “Correr por quem não pode”. Agora prepara-se para o maior percurso da sua vida: 450 km entre Lisboa e Porto, em apoio à APPACDM de Setúbal.
Fonte: Helena Santos // OPraticante.pt
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CORRER 450KM POR QUEM NÃO PODE
O início do caminho
André, antes de falarmos deste desafio gigante, conta-nos: como começou a tua ligação à corrida?
Começou tudo de uma maneira muito simples.
Estava a tentar melhorar a forma física, e era apenas um complemento ao ginásio, corria 5km de vez em quando, mas chegou o dia da meia-maratona de Setúbal de 2024 e eu pensei, 21km não parece ser assim tão mau, e inscrevi-me.
Não treinei nem perto da quantidade que devia ter feito, mas no dia da prova finalizei.
Ao cruzar a meta, todo o sentimento de dever cumprido, de barreira quebrada, e de limite ultrapassado inundou-me de felicidade e orgulho, e desde então já fiz mais de 10 meias-maratonas, 2 maratonas e 3 ultramaratonas oficiais.
O resto foi tudo em “provas pessoais”, como estes 450km que vou fazer.
Quando a corrida se torna transformação
Lembras-te do momento em que percebeste que correr não era só um desporto, mas algo que podia mudar vidas — incluindo a tua?
A corrida mudou a minha vida por completo, e tudo o que bastou para isso foi começar e continuar.
Disciplina no que toca aos treinos foi a lição mais valiosa que tirei com a corrida, algo que posso incorporar em todas as decisões e ações da minha vida.
O setuvens primeiro começou com esse intuito. Mostrar às pessoas que podem e devem fazer melhor por elas próprias.
Nós só temos um corpo, só temos uma vida, e se todos experienciassem a dopamina pós-prova conseguiam entender.
A minha vida mudou com a minha primeira maratona. Quando descobri que eu era capaz de muito mais que eu considerava ser o meu limite.
O poder da mente nas ultramaratonas
Já participaste em várias ultramaratonas e desafios extremos. O que te atrai neste tipo de provas longas e exigentes?
Para gostar deste tipo de desafios é preciso gostar de sofrer.
É impossível correr mais do que 50km sem sofrer, e é nesse sofrimento que está o ganho.
Quando saímos da nossa zona de conforto, o nosso corpo é obrigado a adaptar-se, quer seja fisicamente ou ainda mais importante, mentalmente.
Uma ultramaratona é uma corrida mental. Não é sobre chegar mais rápido, mas sim sobre chegar sem desistir.
Num resumo, ultramaratonas nem sequer é sobre correr, é um treino da nossa resiliência. É treinar o ato de não desistir.
O quanto somos capazes de ignorar os nossos pensamentos que nos dizem para parar, e sair do outro lado mais fortes. Isso é o que me motiva.
Uma corrida de velocidade tem limites biológicos, uma corrida de resistência, o único limite é o quão estás disposto a sofrer para chegar mais longe.
Não se trata de encarar a distância num todo, mas sim acompanhar cada passada com a próxima.
O desafio Lisboa–Porto
São 450 km entre a Maratona de Lisboa e a Maratona do Porto. Como surgiu a ideia de transformar este percurso num ato solidário?
Primeiro, o calendário. Este ano os planetas alinharam-se para ser uma após a outra com 7 dias pelo caminho.
Segundo, eu corro por quem não pode. Esse foi o meu lema desde o início. Tenho a sorte de poder escolher o meu caminho, de poder correr, cair e levantar-me.
Mas há quem não tenha essa liberdade há quem viva todos os dias com limitações que nós nem imaginamos É por eles que eu corro. Correr por quem não pode.
Porque o que para mim é uma escolha… para muitos, é um sonho distante e dia 25, eu escolho correr por eles.
Preparação e propósito
Como estás a preparar-te física e mentalmente para uma travessia desta dimensão?
Sinto que não existe maneira de me preparar para um trajeto com esta dimensão. Apesar de ser a correr, isto vai ser mais um desafio mental do que físico.
Quando acordar na tenda, em Alvaiázere, com uma chuva torrencial, sei que não me vai apetecer correr 50km até Coimbra. Acho que não apetecia a ninguém. Mas o propósito é mais forte.
Não vou correr sozinho, Vou carregar comigo todos os utentes da APPACDM, assim como tudo o que esta instituição representa, que é algo muito maior do que qualquer chuva que posso apanhar pelo caminho.
Há algum momento do percurso que te emociona mais — uma cidade, um encontro, um símbolo?
Sim, chegar a Setúbal, onde tudo começou, e depois atravessar o país até ao Porto.
Cada cidade representa algo, mas saber que estou a levar o nome da APPACDM comigo é o que me emociona mais. Vai ser um momento que nunca vou esquecer.
“Correr por quem não pode” é um lema muito forte. O que significa para ti, pessoalmente?
É o meu lema. Representa o privilégio que tenho em poder correr e o dever que sinto em usá-lo por quem não tem essa liberdade.
O lado solidário
O desafio apoia o Centro Miguel Simas, um projeto essencial da APPACDM de Setúbal. Como nasceu essa ligação?
Através do meu trabalho na área da saúde tive contato com os utentes deles. A partir daí vim a conhecer o impacto que têm na comunidade e percebi que queria ajudá-los de alguma forma.
O que mais te tocou quando conheceste o trabalho da APPACDM e as pessoas que ela apoia?
A forma como tratam cada pessoa com amor e dignidade. Não são só uma instituição, eles são uma família.
Cada sorriso, cada gesto de carinho que vi lá dentro mostrou-me o verdadeiro significado de inclusão
Quando pensas que há mais de 70 pessoas à espera de um lugar no lar, o que isso te inspira enquanto corres?
Sinto um peso, mas também motivação. Cada quilómetro é uma forma de lembrar que há pessoas a precisar de esperança, e que o esforço vale a pena
De que forma queres que esta corrida ajude, além do financiamento, a sensibilizar a sociedade?
Quero que mude mentalidades. Que as pessoas olhem para a deficiência com empatia e não com pena. Que vejam o poder da inclusão!
A missão e o impacto
Correr 450 km é um feito físico notável, mas o que esperas alcançar emocional ou simbolicamente com este desafio?
Quero provar que quando alguem corre com o coração, é possivel mover muito mais do que o proprio corpo…
É possivel mover pessoas… Quero também mostra que o desporto pode ser um meio de transformação, e não só da nossa vida, mas sim de outras vidas.
Como achas que vai ser a resposta das pessoas e das comunidades ao longo do percurso?
Eu acredito na bondade. O português tem um coração enorme, e isso está mais que provado pela hospitalidade.
Eu sei que vão aparecer pessoas para apoiar, para correr comigo e para ajudar em qualquer maneira.
Tenho fé que o povo veja que pequenas ações podem ter um impacto gigante.
Posso até correr 450km, mas apenas todos juntos é que conseguimos chegar ainda mais além.
Acreditas que o desporto tem um papel social mais forte do que às vezes se pensa?
Sem dúvida. O desporto une as pessoas. O desporto inspira e quebra barreiras, físicas mentais e sociais.
É no desporto onde existe inclusão, promovendo a igualdade e desafiando preconceitos contra pessoas com deficiência.
Se pudesses deixar uma mensagem a quem te vai acompanhar — a correr, a doar ou simplesmente a apoiar — o que dirias?
Que nunca é pouco o que se faz com o coração.
Se tens o teu porquê, consegues arranjar o como.
Cada partilha, cada euro, cada palavra de apoio, tudo conta
O homem por trás do atleta
Quem é o André fora das corridas?
Um sonhador teimoso. Alguém que acredita que consegue fazer tudo, desde que tenha vontade e paixão pelo que faz.
Sou alguém que acredita que a paixão e o propósito conseguem mover o mundo
Tens algum ritual, pensamento ou lembrança que te acompanha em cada prova?
Recentemente sim. Nas últimas grandes corridas tenho levado comigo um peluche. Tem sido a minha companhia nas estradas escuras e longas.
Representa a minha infância e o sonho de nunca desistir, mesmo quando é difícil.
O que te faz continuar quando o corpo pede para parar?
Uma simples frase. Eu tenho a sorte de poder parar de lutar e poder descansar.
Há muitos que não podem parar, por isso enquanto eu puder correr, eu corro.
Que sonho te falta cumprir — dentro ou fora das corridas?
Sabes, não sei bem que sonho me falta cumprir… porque sinto que estou a viver um agora.
Este projeto é algo que nasceu do coração, e enquanto eu continuar a fazer o que acredito, o setuvens e o movimento correr por quem não pode, vai inspirar, criar impacto.
Acho que estou sempre a cumprir novos sonhos.
Talvez o meu verdadeiro sonho seja continuar a encontrar sonhos que valham a pena correr por eles.
E depois de chegares ao Porto… o que queres sentir no momento em que cruzares a meta?
Se fomos ser sinceros, um colchão numa cama quentinha.
GRATIDÃO.
Vou sentir cansaço sim, mas acima de tudo vou estar em paz, por saber que cada passo teve um grande propósito







