Léa Vercellotti: “A Eva Jurenikova é o meu modelo”

Não será a atleta francesa mais cotada mas Léa Vercellotti é, seguramente, uma figura em ascensão. Neste início de temporada, o Orientovar foi encontrá-la no Norte Alentejano O’ Meeting e ficou a conhecê-la um pouco melhor. Dos primeiros passos na Orientação aos seus projetos e ambições, aqui fica um conjunto de ideias que vale a pena partilhar.

Não é a primeira vez que escolhe Portugal como parte da sua preparação de Inverno. Porquê Portugal?

Léa Vercellotti (L. V.) – Na realidade, não é a primeira vez que estou em Portugal. Já participei no Portugal O’ Meeting por diversas vezes, também em diversos estágios, quer com a selecção francesa, quer com o meu clube norueguês, o Halden SK, e mesmo sozinha. Gosto muito de treinar em Portugal.

Porquê?

L. V. – Porque os terrenos são excelentes, porque em Janeiro e em Fevereiro não são muitos os países onde encontramos terrenos com esta valia e sem neve e também porque as competições são muito boas. O Portugal O’ Meeting, por exemplo, nunca me deixou desiludida. Os terrenos são sempre muito interessantes e o nível organizativo é do melhor que podemos encontrar.

E este ano vai voltar a participar no Portugal O’ Meeting.

L. V. – Sim, é um verdadeiro “rendez-vous” no início de cada temporada. Há imensa concorrência e é sempre um momento importante para estabelecermos algumas comparações e perceber os progressos alcançados até ao momento.

Estas comparações de que fala, é possível projetá-las a que distância? A seis meses dos Campeonatos do Mundo, por exemplo, o POM pode fornecer indicações sobre aquilo que irá acontecer?

L. V. – Bem, as comparações são sempre interessantes. Colocam-nos perante alguma pressão e isso é positivo. Evidentemente, nesta altura da temporada, um determinado resultado no POM não irá permitir a ninguém dizer que, nos Campeonatos do Mundo, as coisas irão passar-se desta ou daquela forma. Trata-se sobretudo de validar o que foi feito, qual o atual momento do ponto de vista técnico e de perceber se as decisões tomadas em matéria de treino foram as melhores e estão a surtir efeito. Quanto às comparações com outros atletas no NAOM ou no POM, em termos de resultados, funcionam apenas como um pequeno bónus.

O seu segundo lugar no Sprint WRE do Norte Alentejano O’ Meeting foi um desses pequenos bónus?

L. V. – (risos) É sempre bom conseguir um segundo lugar, mas aquilo que me interessa, verdadeiramente, é a minha performance. Mas não estou, realmente, muito satisfeita com o Sprint. Felizmente ainda faltam seis meses para os Campeonatos do Mundo e há ainda muito tempo para melhorar em todos os pequenos detalhes, mas cometi erros que não se podem cometer, sobretudo ao nível da definição dos pontos. É verdade que me senti um pouco cansada depois da etapa da manhã, mas isso não é desculpa. Há, realmente, aspectos a trabalhar e isso é positivo. É isso que me agrada na Orientação, perceber onde devemos fazer incidir a nossa atenção e trabalharmos para modificar as coisas.

Como é que conheceu a Orientação?

L. V. – Foi em 2003, na Escola. Senti-me perante a necessidade de optar por uma modalidade desportiva mais “radical” e tive de optar entre a BTT, a Escalada, a Orientação e outras. Acabei por optar pela Orientação e a verdade é que, na primeira vez em que participei numa competição escolar, ganhei e isso talvez tenha sido importante (risos). A minha irmã mais velha já fazia Orientação num clube local e acabei por me inscrever também no clube. Hoje sei que esta foi a melhor opção. A Orientação é um desporto maravilhoso, leva-nos à descoberta de terrenos absolutamente fantásticos, de paisagens magníficas, coloca lado a lado, em competição, as crianças e os mais idosos e depois não se trata apenas de correr, há a parte mental, é necessário saber escolher o melhor caminho. Permite ainda, depois da prova, fazer a análise de um cem número de situações, enfim, há tanto para fazer nesta modalidade, tantos aspectos que podem ser trabalhados e é isso que a torna fantástica.

Entretanto, as coisas evoluíram muito e os resultados também. Consegue eleger a sua melhor prova até hoje?

L. V. – A prova que mais me marcou foi a Estafeta dos Campeonatos do Mundo de 2012, na Suiça, tendo feito equipa com a Amélie Chataing e com a Céline Dodin e onde alcançámos o 7º lugar. Acho que nunca me senti tão feliz. Foi a primeira vez que fiz equipa com elas e a pressão era enorme mas a Amélie e a Céline foram espectaculares e conseguiram que eu me concentrasse naquilo que era importante e fizesse a minha prova. Para mim foi uma vitória. Depois há esse 12º lugar numa etapa da Taça do Mundo, na Finlândia, no ano passado. Acho que fiz uma prova normal… o 12º lugar foi uma surpresa.

Quais os melhores terrenos onde já correu até hoje?

L. V. – A minha experiência é ainda curta e não são tantos assim os terrenos onde já corri, mas gosto imenso dos terrenos escandinavos. Estive em Halden durante um ano e adoro os terrenos. Há também os terrenos onde têm decorrido as mais recentes edições da Tiomila, embora sendo diferentes de ano para ano, mas impressionam-me sempre imenso. Gosto muito de algumas zonas da Suiça e, claro, dos terrenos em Portugal e da própria paisagem, muito verde, muito bonita. Também há alguns terrenos interessantes em França. Gosto muito de Fontainebleau, de Clermont-Ferrand e sobretudo do Jura, são terrenos magníficos. Infelizmente, no lado oposto, estão os terrenos da minha terra natal, Besançon, com uma vegetação muito pouco simpática e que torna a progressão muito dura.

Há alguém na Orientação que veja como um modelo, uma referência?

L. V. – A Eva Jurenikova é o meu modelo. É uma pessoa muito empenhada e fico impressionada com a sua capacidade técnica e as análises que faz. Também valorizo muito aquilo que a Simone Niggli alcançou e por ser a pessoa que é, com uma família e três filhos. Bem sei que há outras orientistas que também têm filhos e competem ao mais alto nível, mas aquilo que a Simone conseguiu é realmente notável. E depois há o Thierry Guerogiou, um modelo para todo o mundo e, em particular, um verdadeiro motor para a equipa de França. É a nossa inspiração!

Mas afinal o que é que Simone tem que a Léa não tem?

L. V. – (risos) Há no nosso desporto um aspeto muito importante que tem a ver com a questão mental e não posso dizer, pessoalmente, que este seja o meu ponto forte. Mas há também a questão da disponibilidade em termos de tempo, algo que ainda tenho dificuldade em gerir, em combinar a Orientação com os meus estudos. Penso que a Simone teve essa facilidade de conseguir a disponibilidade e o tempo para treinar convenientemente e para competir ao mais alto nível, graças também aos patrocínios que soube angariar. E isso faz toda a diferença. Se eu tivesse apenas que me preocupar com o treino e a competição, se fizesse apenas Orientação, estou certa que conseguiria chegar muito mais longe.

Quais as suas principais metas na Orientação?

L. V. – Bem, o objectivo é sempre conseguir chegar ao fim duma prova – isso é importante! (risos) -, serenamente e poder dizer que me diverti. Quanto ao resultado, procuro não pensar muito nisso. Sei que estabelecer uma meta em termos de resultados é colocar demasiada pressão sobre mim e não o faço. Se tenho a consciência de que fiz uma boa prova, o resultado não me interessa. Na final de Sprint dos Campeonatos da Europa do ano passado, em Portugal, terminei em 28º lugar. A minha forma não era a ideal, senti-me muito cansada, mas não cometi erros e fiquei muito contente com este resultado. Enfim, podemos não conseguir o melhor resultado e ficarmos bastante satisfeitos ou, pelo contrário, alcançarmos um super-resultado e sentirmo-nos decepcionados.

E quanto aos objectivos já para 2015?

L. V. – Um grande objectivo será conseguir gerir a parte mental. Sei que sou capaz de fazer coisas muito interessantes, até porque treino imenso a parte física e tecnicamente começo a compreender um certo número de pequenas coisas. Mas a parte mental precisa de uma afinação. Há momentos em que faço provas muito boas e outros em que isso não sucede. Conseguir fazer uma gestão mais adequada da parte mental, é nisso que preciso de melhorar.

E os Campeonatos do Mundo?

L. V. – Os Campeonatos do Mundo são muito importantes, mas não são a única coisa durante toda a época. Há todo um caminho a fazer e vejo os Campeonatos do Mundo como um degrau mais desse caminho. Há toda uma série de etapas intermédias que é necessário validar, ultrapassar.

Até quando vamos vê-la a fazer Orientação?

L. V. – Já começo a preocupar-me com isso. O tempo passa tão depressa… (risos) Mas a Orientação é um dos assuntos mais importantes da minha vida e não quero parar.

A terminar, um desejo a todos os orientistas, no início duma nova temporada.

L. V. – Não se esqueçam de sentir prazer na floresta. Isso é o mais importante e é nisso que reside a beleza do nosso desporto.

Entrevista e foto de: Joaquim Margarido

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