Escarpas da Maceira prova mais dura do Oeste

Escarpas da Maceira

No dia 27 de maio, a convite de Opraticante.pt, participei na 3.ª edição da prova de Trail, Escarpas da Maceira.

Trail Escarpas da Maceira

Para quem não conhece e porque há diversas “Maceiras” espalhadas pelo país, esta fica na zona de Torres Vedras – Lourinhã, a apenas 50 minutos de Lisboa, ali, colada entre a serra com cheiro a mar do Oeste e onde as famosas Águas do Vimeiro baseiam a sua exploração.

Chegados a Maceira 1h antes da partida do Trail Escarpas da Maceira prevista pelas 09h, a Organização (Associação Vaklouro, em parceria com a Associação RSC de Toledo e o Centro Social Recreativo e Cultural da Maceira), quais formiguinhas de trabalho, garantiam que tudo estava pronto para uma 3ª edição desta prova, com perto de 100 participantes, que surpreende pela diversidade de terrenos em “apenas” 18km de extensão e perto de 700m de desnível positivo.

Não se iludam, aqueles 17km, 18km dão mais trabalho a completar que muitas outras corridas com declive acumulado e distâncias superiores.

Chamam-lhe a “Prova mais dura do Oeste”!

O percurso do Trail Escarpas da Maceira era circular, com partida e chegada na Maceira e onde aqui e acolá, caminhos paralelos juntavam quem participava na caminhada de 10km, quais elementos locais de boa disposição em modo de claques informais sempre prontos a “empurrar” os atletas do Trail, com diversas palavras de incentivo, piropos, chalaças e afins hehehe.

No meio daqueles vales, após um breve briefing e palavras de incentivo da Organização, inicia-se a corrida com algumas caras conhecidas do pelotão nacional que procuram neste evento colocar os seus dotes técnicos à prova; é puro percurso técnico preparado com todo o saber pelos aventureiros locais.

Já preparados pelo habitual aquecimento e aqui ao som de AC/DC (yeahhh!), estradão abaixo, curva a esquerda, salto de cabrito por entre rochas e começamos a subir sempre em carreiro pelo meio de uma vegetação agrícola, brindados pelo constante chilrear da passarada.

Num ápice, saímos de Maceira e começamos num ziguezaguear de subidas curtas de 20m, 30m, mas em ascensões que nos fazem encostar os joelhos ao queixo, cravar os metatarsos e esquentar os gémeos.

Começava ali o jogo do quebra-pernas com descidas repletas de rocha calcária, cardos rasteiros ao som de alguns badalos de rebanhos locais soprados pela maresia de vento marítimo.

Era um sobe e desce, desce e sobe entre muros de pedra que baralhavam qualquer tentativa em gerir ritmos constantes ou pulsações comedidas.

A terra substituída pela pedra

Marcas de cascos de animais por entre espaços de terra escura começam a desaparecer e a pedra lascada e solta começa a dar ares da sua graça.

Aparecem cascalhos com raízes soltas e somos brindados por gaitas de foles em sopros a ecoar em direção ao mar e que seriam ouvidos mais tarde, sempre que o vento refrescava a fonte e nos orquestrava o corpo com aqueles timbres tão característicos. Obrigado senhores gaiteiros.

Onde a rocha calcária afiada ajuda a trepar calcificações a pique, quais escadotes naturais de 3, 4 metros, queimando o quadricípite mais treinado, logo surgiam inclinações trilho abaixo que puxavam pela concentração máxima e reflexos para evitar torções e tropeções e outros “ões”.

 

 

Eram os famosos single-tracks com algumas pedras soltas povoadores de penedos e ramalhetes de vegetação rasteira, já anunciados quando do briefing inicial.

Meus amigos, é impossível ficar indiferente à adrenalina que se sente ao descer por aqueles fios de terra e rocha onde não cabe um pé ao lado do outro para um jogo de cintura necessário a quem procura impor ritmos competitivos.

Curva, sobe, desce, escala, monte, costas em tensão, pé em riste, salta raiz, arfa, sopra, respira e suor respinga, túneis de árvores, cheiros primaveris e avistamos o sistema dunar de Santa Rita. Cheira a praia e pranchas de surf cortam o mar em crista.

A vista de 360º abre-nos o peito ao Oceano

A vista de cima do monte quase em 360º abre-nos o peito ao Oceano e empurra-nos para pouco mais de 400m planos. Passamos a Praia de Porto Novo.

A mirar as bandeirinhas brancas marcadas nas dunas e o que seria preciso subir desde o sal ao marco geodésico, pensava na epopeia dos batalhões das tropas britânicas que desembarcaram ali quando das invasões napoleónicas, canhões areia e Serra acima. Elementos da Organização aplaudem e puxam por nós.

Percebi mais tarde que terrenos aplanados neste Trail das Escarpas da Maceira, não há, ehhehe. Não se trata de um evento de corta-mato com estradões mais que rolantes para os “aceleras” do alcatrão, é Trail, “t-e-r-a-i-l”, o regresso às bases desta modalidade em que, independentemente dos quilómetros totais, a gestão do esforço impera.

 

Aqui, não vão encontrar mais que 1.500m de percurso plano total para a extensão dos cerca de 18km a percorrer, incrível.

7km, 1º abastecimento, escuteiros em sorriso e prontidão esperada, para mim apenas um copito de água pela cabeça abaixo. Já se sente calor no ar.

O protetor solar de alguns pré-veraneantes refastelados nas areias finas e douradas fica para trás e começamos a subir num misto de dunas e arribas de grãos forrados por ligeira palha seca que não impede ao enterro dos pés, massacra a perna mas amacia a borracha das solas entortadas.

Já não cheira a Verão, sente-se

Aparecem as cordas com os vários tons de azul do mar, agora, lá longe, nas nossas costas. Já não cheira a Verão, sente-se, porém, uma Primavera em bouquet de pólen envolto por sopros de rosmaninho selvagem e aromas da autóctone mostarda-preta em flor que abunda por algumas encostas.

À corda, foram tantas as vezes que as mãos se agarraram em rapel que lhes perdi a conta. Como subir a morros de entre 30 a 40% de inclinação, como serpentear por entre túneis de arvoredos que descem por socalcos de calcário em saltos e ressaltos? Com cordas, várias.

Em nenhum dos pontos complicados do trajeto, para não dizer perigosos, e apesar de andar a solo mais que 1h e picos, senti-me abandonado pela Organização; lá estavam eles, identificados, de sorriso no rosto, alguns acompanhados por crianças com cara estupefacta pela forma como nos viam a galgar o terreno esburacado, por entre esgares de esforço mas a sorrir.

É assim um “traileiro”, corpo esfolado e prazer em sorriso. Os miúdos faziam questão de resumir o que nos apareceria metros adiante num jeito simples aos olhos de uma criança – “olhe, cuidado que agora é a descer!” hahaha. A sério? Hahaha.

Um “traileiro”, corpo esfolado e prazer em sorriso

Foi terra, solta e embrutecida, foi pasto, atravessamos pela gruta pré-histórica “Cabeço da Rainha”, areia, rocha, escarpa, relva aparada do antigo campo de golf do Hotel Golf Mar (um dos primeiros do país a ser construído), atual Vimeiro Campo Aventura…até ao 2º e último abastecimento pelos 13km.

Um abastecimento repleto do que de melhor se encontra nas boas organizações, tinha mais uma vez aqueles olhares e atenção dos voluntários locais que, como se de família se tratasse, abasteciam-nos com força e…bananas e marmelada, hahaha. Faltava o que?!

Eis que chega a lama, com o Rio Alcabrichel, para nos tingir e embarrar o pernil de castanho e molhar a peúga, splashhh! Já faltava um túnel semi-inundado, uns 20 metros molhados até à virilha e pontes improvisadas aqui e acolá.

Li e reli avisos vários nas tabuletas colocadas pela organização em locais estratégicos e apesar de ter sido dos mais rápidos do pelotão, não esperava, ao ver o aviso “faltam 1000m” para a meta, ter que demorar ainda mais de 10 minutos para os percorrer.

Tudo a que temos direito?

Já tinha mencionado que é uma prova curtinha e muito técnica com “tudo a que temos direito”?, pois bem, os últimos 3 km, demoraram para a maioria dos da frente, no mínimo, mais de 30 minutos a completar, uf! uf! .

Os primeiros da classificação geral do Trail Escarpas da Maceira foram:

1 – Délio Ferreira (M40 – Associação de Toledo) – 1h54m12s
2 – Mário Ramos (SenM – Sabores Do Paço / Zatopeques) – 2h04m00s
3 – Francisco Inácio (SenM – G.d.zambujeira E Serra) – 2h06m40s

Délio Ferreira – Associação de Toledo o vencedor

Nas senhoras tivemos:

1 (18º) – Marina Alves (SenF – Individual) – 2h31m32s
2 (20º – Marisa Figueiredo (F40 – Associação De Toledo) – 2h32m38s
3 (22º) – Glória Serrazina (F50 – Crp Ribafria) – 2h33m18s

As gaitas em fole continuam a ser trauteadas

Volto ao ponto de partida, pequena subida por terra batida e meta, 16º da geral com 02h29m10s, feliz e contente. As gaitas em fole continuam a ser trauteadas, agora, a espaços de palmas por quem já tinha preparado os “comes e bebes” necessários para reabastecer o corpo dos atletas que começavam a chegar.

Não falarei do bar aberto em modo pessoal de “imperiais” várias, nem da bolaria caseira onde só faltava ter o nome das mestres pasteleiras responsáveis por várias subidas da glicémia do pessoal, hahahah.

Banho tomado e agora a vossa atenção…abrir torneiras…faça-se vapor…com água quente…quente!!!! morninha, para quem sabe do que falo, um “must” em modo de brinde nestes eventos, hehehe.

Mesa posta e “caboummmm”!!! 1, 2, 3 pratos à escolha, pãozinho caseiro, líquidos vários, sopa mesmo sopinha, frutas, doces e um corrupio dos trajados pela Organização que deslizavam num bailado solidário sempre a querer saber se alguém precisava de algo para aquecer ainda mais o espírito: “Querem mais arroz?”, “…espere aí que corto mais chouricinho para as favas…”.

Voluntários pagos a peso de um diferente ouro

Voluntários pagos a peso de um diferente ouro, remunerados sempre que nós agradecíamos de forma sincera com educação recíproca. Rareia nos dias de hoje, humildade e educação. Obrigado.

Começa a distribuição das lembranças aos premiados e o clima de festa, o convívio sobe de tom. O esqueleto de quem provou o amasso na Maceira podia pedir repouso mas os sorrisos genuínos imperaram por aqueles lados.

Para quem lá esteve no Trail Escarpas da Maceira, estou certo que voltarão para o ano. Não há dúvidas. Quem, como eu até hoje, não conhecia a Maceira, o seu Trail, escarpas e gentes, não sabe o que está a perder, a sério.

A prestação dos representantes de OPraticante.pt no Trail Escarpas da Maceira

Pedro Santos, 16º geral / 8º Sén – 2:29;10, em relato sincero de, e para quem merece, muito bem acompanhado naqueles quilómetros, pela estreante Sandra “ciclo” Rodrigues – 79ª geral / 6ª F40 – 4:05;19, “Mr.” Solposto e agradecido pelo convite do corajoso Carlos Figueira que mesmo com a indisposição sofrida no dia anterior ainda tentou fazer-se ao caminho.

Parabéns a todos!!!

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Texto: Pedro Santos
Fotos: Anabela Santos / Nuno Jorge / Marco Ferreira

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